Batata Movies 2. Radioactive. A Radiação Como Derrota.

Radioactive - Filme 2019 - AdoroCinema
Cartaz do filme…

A Netflix nos brindou com uma curiosa cinebiografia sobre Marie Curie, que recebeu dois prêmios Nobel por suas pesquisas sobre radioatividade. Apesar da justa homenagem, o filme nos deixa um estranho gosto de derrota. Para podermos falar um pouco sobre isso, vamos precisar dos spoilers de sempre.

Crítica | Radioactive (Marjane Satrapi, 2019) - Plano Crítico
Uma cientista enfrentando a sociedade machista da época…

Vemos aqui a trajetória de Marie Sklodowska (interpretada por Rosamund Pike), uma cientista polonesa radicada em Paris na virada do século XIX para o XX que busca espaço num meio eminentemente masculino, como o era com quase tudo naquela época. Ela é uma pessoa muito dura e exigente, até para sobreviver nesse meio, mas acaba sendo expulsa do laboratório onde trabalhava, tendo que pensar numa carreira solo. Entretanto, ela conhece Pierre Curie (interpretado por Sam Riley), um cientista que admira demais o seu trabalho e que é também apaixonado por ela. Ele propõe que trabalhem juntos em seu laboratório, mas a cientista à princípio oferece uma resistência muito grande à ideia, com Pierre convencendo-a paulatinamente. O trabalho dos dois rende frutos e eles descobrem dois novos elementos químicos, além das propriedades radioativas deles. Isso renderá o Prêmio Nobel de Física, mas que foi atribuído apenas a Pierre Curie, que vai receber o prêmio enquanto Marie está grávida e doente. Marie não aceita muito a questão, achando que Pierre se dobrou ao machismo da época e à vaidade. Marie também estranha os interesses de Pierre com o espiritismo, para o qual não existia base científica segundo ela. Mas o casamento, apesar dos percalços, continuava seu curso, até que foi abruptamente encerrado com a morte de Pierre, atropelado por uma carruagem, o que deixou Marie completamente desorientada. Ela vai buscar conforto afetivo num dos amigos de Pierre, que é casado, e isso se torna um escândalo na sociedade da época, onde todo o preconceito contra a mulher, a xenofobia e antissemitismo dos franceses caíram como uma tempestade sobre Marie. Isso não impediria que ela ganhasse um segundo Prêmio Nobel, agora de Química, com a cientista indo recebê-lo dessa vez, sendo recebida de braços abertos pela comunidade feminina da Noruega,  mais avançada na época na luta pelos direitos da mulher. Vem a Primeira Guerra Mundial e a filha de Marie, que trabalha como enfermeira e também cientista nas pesquisas sobre radioatividade, convence a mãe a usar o raio-x nos campos de batalha para evitar as inúmeras amputações que os soldados sofriam e podiam ter sido evitadas. Ela vai novamente travar uma batalha contra os cientistas varões que sempre lhe impuseram restrições, mas desta vez ela está mais esperta quanto a isso e os ameaça com denúncias à imprensa, conseguindo o que queria, que eram ambulâncias equipadas com aparelhos de raios-x para serem usados no front de guerra, para onde ela foi com a filha para prestar assistência aos soldados feridos.

Radioactive: filme narra a vida de Marie Curie, primeira Nobel mulher
Uma parceria que deu muito certo…

Esse é um filme que pretende ser uma cinebiografia honrosa à famosa cientista, e ele consegue fazer isso em muitos momentos, principalmente no que tange à luta dela contra o machismo, as convenções sociais e a xenofobia da época. Entretanto, o filme tem um gosto enorme de derrota, principalmente quando se refere à descoberta de Curie com relação à radioatividade. Vemos aqui um processo de definhamento do casal protagonista que, em virtude de suas experiências, ficava muito exposto à radiação e adoecia a passos largos, algo que sabemos que realmente aconteceu (é só ver as fotos reais de Marie Curie com o passar dos anos para atestarmos que seu envelhecimento foi muito precoce). Mas o que realmente incomodou é que a cinebiografia era interrompida em alguns momentos para dar alguns saltos no futuro e víamos as consequências da descoberta da radiação para o mundo. Se o primeiro salto para o futuro ainda mostrava o uso da radiação como tratamento inovador para o câncer na década de 50, por outro lado, tivemos a explosão da bomba atômica em Hiroshima, os testes nucleares americanos no Deserto de Nevada, e o acidente em Chernobyl, dando uma impressão de que a descoberta da cientista foi muito mais prejudicial à humanidade do que benéfica. Nem o esforço hercúleo de nossa protagonista no uso do raio-x na Primeira Guerra, nem o diálogo imaginário entre Marie e Pierre no final do filme que buscava absolvê-la dos malfeitos da humanidade nos usos da radiação (Pierre metaforicamente disse que Marie jogou uma pedra no lago mas ela não tem o controle das ondas que a pedra provocou) parecem apagar a impressão negativa da radiação, o que torna essa cinebiografia no mínimo estranha em seus objetivos de homenagear uma cientista que merece realmente todos os louros. Cá para nós, se não fosse ela a fazer essas descobertas, seria outro cientista a fazê-las e a radiação, em suas benesses e malefícios, ainda existiria entre nós. Ou seja, o avanço científico da virada do século XIX para o XX era um fenômeno de ordem social e não individual.

A Marie Curie de "Radioactive" e "A ridícula ideia de nunca mais te ver"
A radiação, mais vilã que mocinha…

Dessa forma, “Radioactive” até consegue fazer uma bela homenagem a uma cientista que deve ser reconhecida nos dias de hoje, mas fez isso com um estranho gosto de cabo de guarda-chuva radioativo na boca.

Batata Movies 2. Godzilla Vs. Kong. Um Gorila Que Fala Língua De Sinais E Um Dinossauro Mecânico.

Godzilla vs. Kong – Wikipédia, a enciclopédia livre
Cartaz do Filme…

Mais um filme espetaculoso nesses tempos sombrios. “Godzilla Vs. Kong” traz de volta as duas criaturas juntinhas, mais habituadas a uma carreira solo. Houve um filme na década de 60 que também promoveu esse colossal encontro. Toda vez que a gente vê um filme em que o King Kong é protagonista, fica aquela vontade de dizer que a película foi o Mico do Ano. Mas será que foi isso que aconteceu agora nessa nova produção? Vamos precisar dos spoilers para discutir isso.

Godzilla vs Kong", "A Viúva das Sombras" e "O Auto da Boa Mentira" estreiam  nos cinemas da região - Giro S/A
Briga de cachorro (ops!), gorila e lagarto grande…

Bom, quem seria o grande vilão desse filme, já que a galera gosta dos dois monstros? Isso mesmo, um grande empresário inescrupuloso que descobriu que a Terra é oca (já ouvi isso em algum lugar) e quer sugar uma energia que existe lá dentro e que “alimenta” os dois protagonistas. Ele quer essa energia para alimentar um enorme Godzilla mecânico que ele construiu (só não ficou muito claro para que ele construiu esse bichão). As atividades da megaempresa desse executivo acabam atraindo Godzilla, já que elas provocaram alguns desequilíbrios na natureza que atiçam o bicho. Sabe-se lá por que Godzilla ficou tão estressado e foi atrás de Kong, que conversava com uma menininha surda-muda por linguagem de sinais (!!!). E aí, os dois saem na porrada, que é isso que todo mundo quer ver e estava curioso para saber quem vai vencer. O grande público até se dividiu em “Time Godzilla” e “Time Kong”, assim como o “Time Capitão América” e o “Time Homem de Ferro” em “Guerra Civil”. E quem ganhou essa luta? Pode-se dizer que houve um empate técnico, pois nas duas lutas entre eles, cada um ganhou uma delas. Quando ia sair o desempate, o monstro mecânico do grande empresário apareceu e os dois tiveram que se unir para derrotá-lo (juro que eu pensei que essa briga só ia acabar quando os dois descobrissem que suas mães se chamavam Martha). E eles só conseguiram derrotar o bichão porque um garoto gordinho derrubou whisky no computador que dominava a máquina, pifando a geringonça. O gordinho foi tratado como herói? Claro que não! E ainda tomou um esporro federal do pai da amiguinha que o meteu em toda essa confusão (ô gordofobia do demônio!!!). No final, cada macaco ficou literalmente no seu galho, com Godzilla voltando para o mar e Kong indo para a floresta dentro da Terra Oca. Aliás, essa história da Terra Oca me remete a uma lembrança ancestral. Quando eu era um reles estudante secundarista (hoje chamam de Ensino Médio), há um trilhão de anos, ficava às tardes com meus amigos fazendo trabalhos de escola na biblioteca de nosso bairro (pois é, não existia a internet e a gente fazia pesquisa em livros e enciclopédias, algo que as gerações atuais não conhecem muito). Terminadas as pesquisas, a gente ficava namorando os livros da biblioteca e a pérola “A Terra Oca” estava lá. E o Zé Preá (Raymond Bernard) que escreveu o livro tinha uma imaginação muito maior que a do roteirista de “Godzilla Vs. Kong”, pois haveria um buraco no pólo norte para onde a gente entrava para o interior da Terra, com um civilização vivendo nas paredes internas do planeta. Essas paredes internas eram iluminadas por um Sol interno, cuja luz dele era vista do lado de fora, sendo as auroras boreais, e os discos voadores na verdade não seriam vindos do espaço, mas sim dessa civilização que vivia dentro da Terra Oca. Eu e meus amigos, do alto de nossos quinze, dezesseis anos, ríamos daquele rosário de disparates escritos em “A Terra Oca”, onde o autor deve ter tomado um LSD muito legal. E qual a minha surpresa, décadas depois, de ver essa ideia sendo usada num filme de Godzilla e Kong. Não sei se o filme da década de 60 lançou mão dessa ideia (resenha em breve na Batata Espacial), mas que tudo isso é muita doideira, ah isso é.

Gozilla vs. Kong: Millie Bobby Brown Latia Para se Concentrar
O verdadeiro herói do filme é o gordinho de óculos…

Dessa forma, “Godzilla Vs. Kong” até não seria o Mico do Ano pelo filme em si, que só quer mostrar uma pancadaria entre um gorilão e um lagartão. O lagarto mecânico construído de forma despropositada pelo grande empresário do mal a gente pode até engolir e foi um bom argumento (melhor que Martha) para acabar com a briga entre os dois. Agora, Terra Oca realmente não dá, o que leva o filme definitivamente à categoria de Mico do Ano. Ainda, sempre eu sinto uma falta desgraçada do Ultraman quando vejo esses filmes.

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