Era uma e meia da manhã.
O eclipse da Lua atingia seu auge.
Quase todo o disco lunar na umbra.
Apenas um pequeno filete de Lua nova,
metade azul, metade vermelho,
por efeitos da atmosfera terrestre.
Mesmo azul e vermelho
dos extremos do espectro visual.
De forma fantasmagórica,
mares e crateras ficavam translúcidos
na estreita penumbra.
O frio e a escuridão desses monumentos geológicos
me tocam profundo na alma.
Trazem serenidade e tranquilidade
sentimentos iguais aos nomes de mares lunares
que imperam no vazio de nossas imaginações.
Queria eu estar lá,
no frio cortante das profundezas abissais das crateras,
queria eu estar lá,
nas superfícies planas de areia fofa dos mares,
onde a solidão se estende por 360 graus.
Pois lá eu poderia refletir profundamente
o que tenho feito da minha vida,
escondido de tudo e de todos.
Todos nós às vezes
precisamos desses mares e crateras,
desses frios cortantes solitários e plácidos,
para que possamos refletir
até que ponto mergulhamos a vida dos que nos cercam,
dos que nos amam e estimam,
dos que nos valorizam,
num profundo eclipse da alma…
Vamos terminar nossa análise falando hoje do filme em si. Bom, depois de ler os quadrinhos e o livro, parti para o Odeon na época bem desanimado, pois se as duas mídias que são mais fieis à história já tinham mostrado aquele desfecho, o que poderia acontecer no cinema, que geralmente faz decalques malfeitos das histórias originais? Entretanto, ao ver o filme, fui fortemente surpreendido. A coisa de o cinema fazer um decalque malfeito da história original paradoxalmente salvou a trama. Podemos dizer popularmente que a emenda saiu melhor que o soneto. Se nos quadrinhos o desenvolvimento da história foi primoroso e o desfecho um fiasco, podemos dizer que no filme, a coisa se deu quase que ao contrário. Na película, tivemos um bom desenvolvimento da história, mas não tão marcante quanto o dos quadrinhos. A ausência de Sue Richards foi muito notada. O enfoque na importância do Homem Aranha foi radicalmente reduzido. E, se o traje dado ao Aranha por Stark era iradíssimo nos quadrinhos, com direito a uns tentáculos extras, no filme o traje que Stark deu ao aracnídeo era apenas o traje que conhecemos, já que Stark conheceu Parker quando ele ainda começava a dar seus primeiros passinhos como super-herói e usava um traje improvisado, que mais parecia um pijama com óculos escuros. Essas foram perdas muito importantes. Também não tivemos aquela grande variedade de heróis que havia na revista, mas sim os heróis que apareceram nos filmes, com a exceção da grata surpresa do Pantera Negra (interpretado por Chadwick Boseman, o mesmo ator que ficou conhecido pelo filme “James Brown”). A querela da regulamentação deixou de ser uma questão americana e tomou contornos mundiais. Vejamos: a tragédia de Stamford se transformou numa morte de cidadãos de Wakanda (o país do Pantera Negra) quando os Vingadores perseguiam terroristas em Lagos, capital da Nigéria. Isso fez com que o rei de Wakanda, o pai de Pantera Negra, encabeçasse a campanha pela regulamentação dos super-heróis e conseguisse uma lei aprovada pela ONU, assinada por 117 países. Ou seja, parece que a intenção do filme foi passar o bastão da responsabilidade da regulamentação dos Estados Unidos para todo o mundo, para dar um pouco mais de legitimidade à questão. Na história em quadrinhos, houve muito debate na coisa da regulamentação, mas ela sempre me pareceu algo ligado à severa visão intervencionista americana, onde a Shield fazia de forma bem efetiva o papel de cão de guarda na figura da Comandante Hill. No filme, esse suposto cão de guarda apareceu na figura do Secretário de Estado Thaddeus Ross (interpretado magistralmente por William Hurt). Ou seja, a visão intervencionista americana também aparece na película, mas apenas como em forma de breves pinceladas, um verniz externo. Nos quadrinhos isso se deu de forma muito mais profunda.
Agora, concordo com alguns comentários que surgiram por aí que o filme deu uma esvaziada na questão política e se tornou uma questão um pouco mais, digamos, pessoal. Uma coisa muito boa que aconteceu na película foi envolver o Soldado Invernal na querela. Ele foi responsabilizado pelo atentado que matou o Rei de Wakanda e acabou envolvendo um elemento a mais na cisão entre o Capitão América e o Homem de Ferro, pois Steve Rogers queria salvar a qualquer custo seu amigo, antigo companheiro da Segunda Guerra Mundial. Aí entra o tal “espírito antiquado” do herói, que parece não se encaixar muito nos dias atuais. Mas não tivemos o viés pessoal apenas se manifestando no Capitão América. O tivermos também em Tony Stark, pois foi o Soldado Invernal que matou seus pais sob efeito de um poder sugestivo implantado na mente do ex-combatente pelos soviéticos e isso deixou Stark revoltadíssimo, pois a perda dos pais fora um grande trauma para ele. Isso rendeu a batalha mais espetacular do filme, entre o Homem de Ferro e o Capitão América, que defendia de todas as formas seu amigo Soldado Invernal. Eu digo que essa batalha final foi ainda mais marcante que a longa sequência de luta entre todos os super-heróis do filme no aeroporto, pois envolvia um conflito pessoal que deixou traumas psicológicos profundos nos super-heróis, sendo essa batalha a mais doída de todas. Não era somente uma pancadaria que a gente curtia em nosso gosto pouco desenvolvido por violência, mas era uma pancadaria que afetava nosso íntimo e que não queríamos que ocorresse. Sentíamos a dor de cada personagem ali: a perda dos pais de Stark, o arrependimento do Soldado Invernal, as tentativas desesperadas de Rogers de acabar com a luta tentando convencer Stark a parar com toda aquela violência. E aí, chegamos ao desfecho da luta, em que Rogers vence Stark (como nos quadrinhos) e, ao invés de lhe dar o golpe de misericórdia, apenas o atinge no coração, sem matá-lo, abrindo caminho para a reconciliação.
Tem se falado por aí que esse é um filme com igual peso para o Capitão América e o Homem de Ferro, que não seria um terceiro filme do Capitão América. Mas, apesar de toda a importância dada ao Stark, vou me arriscar a dizer aqui que esse ainda é um terceiro filme do Capitão América, mais do que tudo. Digo isso porque existe uma participação marcante do Soldado Invernal na película e, em segundo lugar, porque há uma implicação política na história, mais do que em algumas películas e quadrinhos da Marvel. Por esses motivos, essa história tem mais a cara dos filmes do Capitão América, que, na minha modestíssima opinião, são os melhores filmes da Marvel, pois eles envolvem um conteúdo de História e política muito bem elaborado, tendo como exemplo a Hidra, que vem do nazismo, se infiltrando na Shield, sendo uma espécie de responsável indireta pela visão intervencionista americana que nosso Steve Rogers discorda tanto por manter os puros ideais democráticos americanos na cabeça.
Agora, o filme tem um enorme trunfo! E esse trunfo se chama Zemo, que foi interpretado pelo magnífico ator Daniel Brühl (para quem não se lembra dele, ele interpretou o piloto de Fórmula 1 Nikki Lauda no filme “Rush”, onde Chris Hemsworth, o Thor, interpretou o também piloto James Hunt e grande rival de Lauda). Pode-se dizer que esse personagem salvou “Guerra Civil” daquele desfecho lamentável dos quadrinhos e do livro. Vejamos. O homem vivia na Sokóvia, aquele país do leste europeu que foi praticamente demolido no segundo filme dos Vingadores. Apesar de viver no campo, muito longe da cidade, os parentes de Zemo foram mortos na batalha, o que gerou um sentimento de vingança profundo por parte de Zemo contra os Vingadores. Assim, ele elaborou um plano que jogasse os super-heróis uns contra os outros, e seria totalmente bem-sucedido nisso, não fosse pela percepção do Capitão América de que havia algo de estranho no ar. Rogers até chegou a convencer Tony Stark de todo o problema, mas Zemo ainda tinha uma última carta na manga, que foi o assassinato dos pais de Stark pelo Soldado Invernal. Um momento marcante foi ver Zemo ter a sua tentativa de suicídio impedida pelo Pantera Negra, que buscava a vingança contra o Soldado Invernal pela morte do pai. Ao escutar a história de Zemo, Pantera Negra viu ali um caso de uma pessoa totalmente consumida pelo sentimento de ódio e vingança, evitando sua morte, até para que Zemo também pudesse pagar por seus crimes. E ver toda aquela história trágica também dissuadiu Pantera de seus sentimentos contra o Soldado Invernal. Pois é, eu havia dito acima que as questões pessoais tiveram mais peso que as questões políticas nesse filme. Mas com essas duas questões pessoais (a morte dos pais de Stark e o sentimento de vingança de Zemo), a coisa valeu muito a pena, não sendo piegas como poderia parecer. Ainda atento para outro detalhe. Se nas histórias em quadrinhos, as pessoas que sofriam com as destruições provocadas pelas brigas entre os super-heróis apareciam como meras vítimas, aqui o personagem Zemo, que foi uma vítima da destruição empreendida pelos Vingadores, se revelou também uma ameaça contra os super-heróis no seu forte sentimento de vingança. Esse detalhe subverteu a história completamente e simplesmente a tornou genial. Ainda, a última fala de Zemo deu a entender que ele pode aparecer nos próximos filmes por aí, o que seria algo muito bom, pois esse é um baita vilão interpretado por um baita ator.
Outro detalhe muito importante é que houve um desfecho apaziguador. Stark percebe as intenções do governo americano em tratar os heróis contra a regulamentação como criminosos quando ele vai ao presídio flutuante. E, no duelo final, ele não é morto pelo Capitão América e ainda recebe depois uma carta de desculpas do Capitão por não ter lhe dito que o assassinato dos pais foi por intermédio de um agente soviético (Rogers não sabia que havia sido o Soldado Invernal o responsável). Por essas e por outras, Stark não move uma palha quando o Capitão América liberta seus colegas da prisão. E ficou aquele final em aberto de que eles podem se reunir novamente no futuro.
Muito bem. Analisados quadrinhos, livro e filme, podemos chegar a algumas conclusões. Em primeiro lugar, tanto os quadrinhos quanto o filme mostraram uma história muito bem escrita, mas com o final melancólico. O livro teve a virtude de acrescentar mais alguns elementos à história, mas não teve a eficiência de descrever as cenas de luta com a materialidade visual dos quadrinhos, que podem ser considerados verdadeiras obras de arte. Já o filme desenvolveu a história de forma menos aprofundada que os quadrinhos, com menos super-heróis envolvidos, deu menos peso às implicações políticas em benefício de ótimas implicações pessoais, teve bons alívios cômicos (o Homem Formiga e o Homem Aranha foram providenciais nisso!), mas teve uma subversão sensacional na história em virtude do surgimento de um personagem, o vilão Zemo, interpretado por um ator sensacional que é Daniel Brühl, sendo essa uma ótima aquisição para o Universo da Marvel no cinema. E o final cinematográfico foi em tom reconciliador, ao invés da coisa altamente lamentável que se revelou no final dos quadrinhos. De uma forma ou de outra, “Guerra Civil” se mostrou uma história e tanto nas três mídias e mais uma vez a Marvel atropelou a DC no cinema. Esperemos o próximo round.
Vamos hoje continuar a discussão de como “Capitão América – Guerra Civil” foi colocado nos quadrinhos, no livro e no filme lançado recentemente.
Se a história e seu desenvolvimento nos quadrinhos foram primorosos, com várias cenas de ação, duas violentíssimas batalhas, a morte de um herói, e os conflitos psicológicos em vários personagens como Tony Stark, Sue Richards e Peter Parker, o mesmo não se pode dizer do desfecho que, no mínimo, foi extremamente lamentável. Justamente na batalha decisiva, Steve Rogers se rende de uma hora para outra, deixando todos os seus comandados na mão. O motivo? Na batalha realizada dentro de um presídio que continha um portal para a tal dimensão paralela, os agentes da Shield trancariam o portal aprisionando todos os partidários do Capitão América de uma só vez. Assim, Manto, um herói do lado de Rogers, com poderes de teletransporte, levou todos para fora do presídio, caindo nos arredores do Edifício Baxter, o quartel-general do Quarteto Fantástico, bem no centro de Nova York. Obviamente, a super pancadaria provocou mais explosões e destruições entre os pobres inocentes. No embate final entre Capitão América e Homem de Ferro, o veterano de guerra se deu melhor e, quando ia dar o golpe de misericórdia (inclusive a pedido do próprio Stark), alguns populares o agarraram para parar com a carnificina. E aí, novamente com o centro de Nova York destruído (essa cidade só não é mais destruída que Tóquio!), Steve Rogers se toca da desgraça toda que está provocando e se rende, não como Capitão América, mas com seu nome civil de Steve Rogers. O detalhe aqui é que o grupo do Capitão América estava em superioridade numérica e ia ganhar a batalha final mas, segundo o Capitão, não ia ganhar a discussão. Ou seja, o projeto do governo de regulamentar os super-heróis foi bem sucedido e Tony Stark tomou toda a liderança do projeto. Um pequeno grupo de ex-seguidores do Capitão América permaneceu na dissidência e nosso Steve Rogers, um herói da Segunda Guerra Mundial, guardião dos ideais democráticos dos Estados Unidos da América (e acusado de antiquado por não querer se regulamentar), terminou vencido e humilhado na prisão.
Desculpem o comentário exaltado, mas que raio de final é esse? Tudo bem que o Capitão América se rendeu em nome de seus ideais, que ele não queria machucar as pessoas, etc., etc. Mas, e o compromisso com seus comandados? Um soldado que prima tanto a honra e o companheirismo também não poderia fazer isso. Se o meu estimado leitor me permitir reescrever o final desses quadrinhos, eu daria a seguinte sugestão: que o teletransporte fosse para alguma ilha deserta e afastada do Pacífico Sul, os caras resolvessem tudo na porrada, até que Rogers derrotasse Stark, mas não o matasse. Aí, Rogers daria ordem para seus comandados encerrarem a batalha, vencida pelos revoltosos. Ou seja, os vencedores poupariam os derrotados. Mas os aeroporta aviões da Shield estariam a caminho e Manto teletransportaria os revoltosos para um lugar desconhecido onde eles estabeleceriam uma base e trabalhariam fora do controle da lei americana, ou seja, o grupo do Capitão América seria uma espécie de força internacional de super-heróis fora da jurisdição de qualquer país, vivendo numa espécie de exílio com relação aos Estados Unidos. E, assim, novas histórias envolvendo os super-heróis regulamentados e os não-regulamentados existiriam no futuro, com as mesmas querelas psicológicas entre os personagens e até trabalhos em conjunto fora de solo americano. E, quem sabe, trabalhos clandestinos entre regulamentados e não-regulamentados nos Estados Unidos? Ainda, já imaginaram como seria para os super-heróis não regulamentados terem sua entrada nos Estados Unidos proibida? Como Parker teria que fazer para entrar no país e visitar Tia May e Mary Jane, que seriam vigiadas e monitoradas pela Shield? Já imaginou Parker entrando pelo México com a ajuda de coyotes? Dá para perceber como o tema da Guerra Civil pode dar pano para manga. E, de repente, esse fiasco de final! A impressão que se dá é a de que foi feito um grande esforço, um grande roteiro, desenhos incríveis (verdadeiras obras de arte!), ou seja, um trabalho muito bem feito e, de repente, me chega esse desfecho tacanho? Não, muitos podem discordar de mim, mas eu não consigo me conformar com isso.
Passemos, agora, ao livro. Escrito por Stuart Moore, inspirado diretamente nos quadrinhos acima, o livro conta praticamente a mesma história. Mas, quando comparamos duas mídias dessas naturezas, uma de característica verbal e outra não-verbal, onde palavras são confrontadas com imagens, vem aquela pergunta inevitável: uma imagem realmente vale mais que mil palavras? Geralmente eu acho que não, mas este livro de Stuart Moore consegue nos expor os dois lados dessa moeda. A descrição das cenas de batalha, por exemplo, ficaram um tanto que enfadonhas, e não transmitiram a vibração e choque que a arte dos quadrinhos pode proporcionar. As cenas com o Capitão América severamente ferido e ensanguentado, assim como as partes em que o clone de Thor aparecia, eram de um violento impacto visual nos quadrinhos, o que o livro acabou não proporcionando. Aqui, as imagens valem mais que as palavras. Em contrapartida, o livro desenvolve um pouco mais o roteiro, o que deixa a história mais recheada e interessante. Podemos dar aqui dois exemplos: entre a explosão de Stamford e o resgate às vítimas feito pelos super-heróis, o livro nos fornece um capítulo extra, em que o Homem de Ferro faz um voo intercontinental, praticamente de volta ao mundo, enquanto lia o jornal, falava com o Homem Aranha, marcava uma carona com seu empregado Happy. Ou em pequenos capítulos onde podemos ver Peter Parker tendo uma conversa privada com sua Tia May, que revelou ao sobrinho que já sabia há anos que ele era o Homem-Aranha ou com Mary Jane, onde os dois conversam sobre a cerimônia de casamento frustrada em virtude da revelação pública de Parker ser o aracnídeo, com a necessidade de Mary Jane e Tia May se esconderem por questões de segurança. Ainda, no momento em que Sue Richards abandona Reed, ela se depara com o Coisa, que não evita que ela saia e, ainda por cima ele diz que também está fora, partindo para a França. Todos esses elementos extras acrescentaram lances mais interessantes à história, que não eram vistos nos quadrinhos, embora o Coisa, que tenha retornado depois à guerra, disse nos quadrinhos que não iria ficar parado comendo croissants. Mas não houve qualquer menção nos quadrinhos de seu autoexílio na França, o que foi destacado no livro por sua vez. Assim, o livro acaba sendo uma mídia com uma desvantagem (a descrição das cenas de ação sem o impacto visual dos quadrinhos) e uma vantagem (acréscimo de elementos à história, tanto no núcleo do Quarteto Fantástico quanto no do Homem Aranha, que se revelou um personagem-chave para essa história, principalmente por ter trocado de lado depois de ser um admirador fiel de Tony Stark).
No próximo artigo, finalmente chegaremos ao filme e a comparação entre as três mídias. Até lá!
Este ano tivemos no cinema um dos grandes e esperados lançamentos da Marvel, “Capitão América – Guerra Civil”. Esse filme foi cercado de grande expectativa, pois era uma aposta para recuperar o interesse na fase dois da Marvel, que parecia perder um pouquinho de força com tantos filmes de vários super-heróis juntos. Era necessário dar um upgrade na franquia. Isso até foi feito em “Homem Formiga” e “Deadpool”, com uma investida bem sucedida no humor e em novos personagens. Mas, cá para nós, a sequência de “Vingadores” não tinha sido lá essas coisas. Era urgente uma boa história para o Capitão América, o Homem de Ferro, Viúva Negra e companhia. E, para isso, foi recuperada do Universo dos quadrinhos “Guerra Civil”. Essa história parte da seguinte premissa: os super-heróis têm um grande poder e ações totalmente ilimitadas, algo potencialmente perigoso. Assim, é necessário que os super-heróis passem a sofrer alguma regulamentação do governo, o que divide nossos protagonistas. Um grupo, liderado pelo Homem de Ferro, aceita tal atitude e assina um documento se comprometendo a isso. Já outro grupo, liderado pelo Capitão América, fica contra essa determinação, alegando que sua liberdade de escolha será reprimida, e que limitar suas ações pode até ser mais perigoso. Assim, os dois grupos muito argumentarão e também duelarão, o que vai trazer muitas cenas de ação e, principalmente, pancadaria.
Bom, uma das primeiras vezes em que as ações violentas de heróis foram questionadas, pelo que eu me lembre, foi num episódio das Meninas Superpoderosas, onde foi feita uma sátira aos “Tokusatsus” japoneses e as heroínas mirins comandavam um enorme robô que lutava contra um gigantesco monstro e destruíam toda a cidade, matando seus habitantes. À medida que os prédios e estádios eram destruídos, a gente podia escutar o grito das pessoas. Mas isso era feito num espírito de muita gozação, bem ao estilo daquelas animações que usavam uma violência altamente escrachada, em tom muito cômico. Quem diria que um dia esse tema passaria a ser abordado de forma muito séria nos filmes de super-heróis americanos e, ainda por cima, isso aparecesse em dois filmes este ano, que praticamente estrearam um atrás do outro, primeiro o da DC (“Batman vs. Superman”) e, depois, da Marvel (“Capitão América – Guerra Civil”). Se na história da DC, a questão foi mais uma rixa pessoal entre heróis, onde um desaprovava o método do outro, na Marvel, houve uma maior implicação política na questão, onde até a opinião pública tinha peso. Entretanto, a forma como a história da Marvel foi abordada nos quadrinhos, no livro e no filme, tiveram semelhanças e diferenças. A ideia aqui é fazer uma breve explanação de como “Guerra Civil” foi contada nestas três mídias e elaborar uma pequena comparação entre elas. Primeiro vamos falar um pouco dos quadrinhos, passando imediatamente para o livro e, depois, para o filme. Acho que o leitor já percebeu que teremos que lançar mão de muitos “spoilers” para fazer essa comparação.
Comecemos com os quadrinhos. Aqui foi usada a edição da Panini, de autoria de Mark Millar (roteiro) e Steve McNiven (desenhos). A ideia da tal regulamentação de super-heróis vem depois que acontece uma grande tragédia que vitimou cerca de novecentas pessoas, tragédia essa causada por um motivo muito banal: um “reality show” de um jovem grupo de super-heróis, os Novos Guerreiros. Ao encurralar um grupo de vilões, Nitro, o mais poderoso deles, provocou uma explosão de dimensões devastadoras num bairro residencial de Stamford. No funeral de uma das crianças vitimadas pela explosão, Tony Stark é hostilizado pela mãe. Ao mesmo tempo, Johnny Storm, o Tocha Humana, é praticamente linchado na saída de uma boate, sendo isso um sinal de que a opinião pública se voltava contra os super-heróis. Já há um debate da necessidade dos super-heróis terem um registro. Enquanto isso, num aero porta aviões da Shield, a comandante Hill, que substituiu Nick Fury no comando da força de segurança, prepara uma tocaia para o Capitão América, que consegue fugir. Logo, logo, dois grupos ficam bem delineados: os que vão respeitar a lei e se registrar, liderados por Stark e os que vão se rebelar contra isso, liderados por Steve Rogers.
A história do Universo dos quadrinhos é muito rica na diversidade dos super-heróis. Vemos, por exemplo, os X-Men, que decidiram tomar uma postura neutra. O Quarteto Fantástico, por sua vez, sofreu um verdadeiro racha interno, não só no grupo, mas até no casamento entre Reed e Sue Richards. O marido, com sua mentalidade totalmente racional, ficou do lado de Stark e do governo, mas Sue não gostava muito dessa regulamentação e o rumo autoritário que as coisas tomavam, passando para o lado liderado por Capitão América. Outro detalhe muito bem trabalhado foi a participação do Homem Aranha na história. Ele recebe de Stark um traje cheio de upgrades e fica do lado do Homem de Ferro na questão. Peter Parker até revela sua identidade publicamente para dar o exemplo. Mas isso acabou colocando Tia May e Mary Jane em risco e as duas tiveram que ficar num lugar seguro, distante de Parker, que muito sofreu com isso. Ainda, a primeira grande batalha entre os super-heróis levou Golias à morte, através das mãos de um Thor clonado por Stark. Tudo isso levou o aracnídeo a contestar o que o Homem de Ferro fazia e Parker trocou de lado. Há também a presença do Justiceiro, do lado do Capitão América, e do Príncipe Namor, que entrou na batalha à pedido de Sue, mas também porque sua prima, Namorita, morreu na explosão de Stamford. Logo, temos uma quantidade de heróis bem rica na revista. Até alguns super-vilões ficaram em ambos os lados da luta. Outro detalhe interessante foi a prisão em que ficavam os super-heróis capturados e que eram contra o registro. Ela ficava numa espécie de dimensão paralela, altamente à prova de fugas, já que seria impossível manter um super-herói numa prisão normal.
No próximo artigo, vamos continuar a comentar como “Capitão América – Guerra Civil” foi abordada nos quadrinhos e começaremos a falar da versão da história no livro. Até lá!
A Editora Aleph faz mais um bom lançamento da série “Legends” de “Guerra nas Estrelas”. “A Armadilha do Paraíso”, escrita por A. C. Crispin, a mesma autora de “Portal do Tempo”, um livro do Universo de “Jornada nas Estrelas”, é o primeiro livro de uma trilogia que fala do início da trajetória de um herói muito amado por todos: Han Solo. Um dos personagens mais icônicos de “Guerra nas Estrelas”, Han Solo pode ser qualificado como um daqueles mocinhos de jeitão canalha. Se nos primórdios do cinema, os mocinhos eram personagens que tinham apenas virtudes e não tinham qualquer defeito, com o tempo esse modelo se desgastou e os mocinhos passaram a ficar também com características, digamos, menos nobres. Um dos primeiros personagens desse modelo foi o inesquecível Rick, interpretado por Humphrey Bogart em “Casablanca”. E, definitivamente, Han Solo se tornou o paradigma desse mocinho para as gerações mais recentes. Por isso, Crispin destilou todo o seu talento para criar um passado para esse personagem tão cultuado.
E o que podemos dizer do primeiro livro da trilogia Han Solo? Ele é tudo de bom. A autora se focou nas características do personagem exibidas em “Uma Nova Esperança”, ou seja, o fato de Solo ser um grande malandro, apenas pensar nele e de ser um descrente total em qualquer questão de ordem mística ou religiosa, para buscar as origens disso. Dando uns pequenos “spoilers”, nosso personagem teve uma infância muito difícil. Ele não sabe sua origem, viveu como menino de rua e praticamente como escravo de um grupo de contrabandistas, sendo espancado sistematicamente em sua infância. Mas, para sobreviver, ele fugiu, não sem antes ver quem o amava, uma Wookie, por sinal, ser assassinada. Sua ideia era ser piloto num planeta chamado Ylesia, onde havia uma fábrica de destilação de especiarias que eram usadas como drogas. Mas lá havia também uma estranha seita cujos fiéis entravam num estranho transe. O plano de Solo era juntar o máximo de créditos que pudesse como piloto para entrar na Academia Imperial. Em tempo: Solo já tinha alguma experiência como piloto de speeders. Só que seu plano sofreria uma mudança de rumo ao conhecer uma fiel que trabalhava na confecção de especiarias, que não tinha um nome, mas sim um número: 921. A partir daí, a vida de Solo se transformará numa verdadeira montanha-russa, com situações que nos darão todas as condições de testemunhar o amadurecimento desse personagem.
Crispin consegue uma narrativa altamente feliz e nos dá, com muito êxito, um passado para Solo. Tudo o que o personagem passa nessa história torna o comportamento dele em “Uma Nova Esperança” plenamente compreensível. Seus sonhos, dores, expectativas e angústias tiram aquela capa durona dele e nos mergulham em sua natureza mais frágil, que ele quer esconder de todos. Vemos ainda aparecer um senso de companheirismo e dignidade no personagem à medida que a narrativa avança, afastando-o de sua visão inicial de menino de rua instruído a praticar furtos. Tudo isso regado a muita ação e romance, que em alguns momentos ficava um pouco excessivo. A personagem 921, por exemplo, nos remetia muito àquelas donzelas indefesas de filmes da época muda. Mas isso não tira o brilhantismo da narrativa e a boa construção do personagem de Han Solo a qual o livro se propôs.
Dessa forma, “A Armadilha do Paraíso” é mais um excelente lançamento da série “Legends” de “Guerra nas Estrelas” trazidas a nós pela Editora Aleph e, o melhor de tudo, esse é apenas o primeiro livro da trilogia que busca compreender a trajetória de Han Solo escrita por uma autora de gabarito como A. C. Crispin. Imperdível em todos os sentidos.
– Quem é o coreógrafo e bailarino aqui? Não sirvo para sapatear?
– Tem que ser…
– Perfeito, já sei.
– Sabe, Gene…
– O que é, Fred?
– Às vezes me pergunto. Fizemos o certo?
– Como assim?
– Não alienamos as pessoas com nossos filmes? Não desviamos a atenção do verdadeiro foco dos problemas delas?
– Não seja duro com você mesmo, Fred. É como diz aquele sul-americano: ser firme, mas sem perder a ternura.
– Você virou revolucionário?
– É claro que não! Só digo que precisamos ser responsáveis, mas com uma pequena dose de irresponsabilidade.
– E os irresponsáveis somos nós aqui, né?
– Claro que sim! Como eu poderia fazer aquela sequência com a Cyd Charisse em “Cantando na Chuva” sem ser irresponsável? Eu tinha que ousar! Mas havia responsabilidade também! O trabalho era muito detalhista, meticuloso, assim como o seu sapateado.
– É, Gene, agora você me tirou um peso das minhas costas,
– Sempre às ordens, Fred. Vamos continuar?
– Sim, mas antes uma pergunta.
– O que é?
– O que vamos fazer amanhã?
– Ensaio de canto com o Frank.
– Isso é covardia! Ele nos exige sempre o máximo das nossas cordas vocais!
– Não reclame, Fred. A minha tarefa, que será fazê-lo dançar na próxima semana, será bem pior.
– Precisávamos reunir a turma toda da RKO e Metro novamente.
– Por que?
– Para fazer um grande musical
– Com qual intuito?
– O de alegrar pessoas tristes, como nos velhos tempos. Vir para cá de uma hora para outra é um grande choque para qualquer um.
– É o curso normal da vida, Fred. Mas podemos pensar num musical sim. Vamos juntar a turma na semana que vem, OK?
– OK. Vamos retomar o ensaio então?
– Vamos lá.
– Um, dois, três, quatro, um, dois, três, quatro. Opa! Olha a falha na sincronia de novo!
Pegue um bom diretor (Tim Burton), um bom elenco (Terence Stramp, Samuel L. Jackson, Judi Dench, Eva Green) e uma surreal história de fantasia. Pronto. Você tem a receita para um bom filme. “O Lar das Crianças Peculiares” é peculiar até no título. Essa história baseada no romance de Ransom Riggs lida com crianças com superpoderes e fendas temporais onde o tempo se repete. Ou seja, é uma doideira só, mas que, por incrível que possa parecer, dá certo e vende o seu peixe muito bem.
A história fala de um rapaz de nome Jack (interpretado por Asa Butterfield), que tem um avô, Abe (interpretado por Terence Stramp), que sofre de demência. Um dia, depois de voltar do emprego no supermercado, ele encontra a casa do avô revirada e o vê moribundo e sem os olhos. O avô lhe passa algumas informações nas quais ele deve encontrar uma mulher de nome Peregrine (interpretada por Eva Green), que lhe contará a causa estranha da morte dele. Jack consegue convencer o pai a ir ao País de Gales depois de receber uma carta de Peregrine. Uma vez no país europeu, Jack descobre que o orfanato que o avô vivia quando era jovem estava em ruínas depois de um bombardeio nazista na Segunda Guerra Mundial. Mas, ao penetrar mais profundamente no orfanato, Jack descobre que Peregrine vive por lá com várias crianças e adolescentes dotados de poderes especiais. Na verdade, Jack atravessou uma fenda temporal e encontrou o orfanato inteiro. Peregrine tem o poder de controlar o tempo e, para proteger as crianças, faz com que elas vivam sempre o mesmo dia no ano de 1943 que antecedeu ao bombardeio. Assim, elas nunca envelhecem, mas também ficam presas naquela fenda temporal.
Dá para perceber que o enredo da história é bem interessante. Vemos aqui uma espécie de mistura de conto de fadas com uma ficção cientifica um tanto primária, mas que não deixa de ser simpática. É claro que há vilões na história, muito arrepiantes por sinal, mas não vou entrar em maiores detalhes por causa dos “spoilers”. Aliás, essa mistura de uma certa dose de terror com um quê lúdico é outra curiosidade do filme. Podemos ter menininhas lindas fazendo as coisas mais escabrosas, por exemplo. Elas podem incendiar as coisas, ter bocarras horrendas na nuca ou uma força descomunal que move coisas muito pesadas. Ou então, dar vida a objetos inanimados para depois se deleitar vendo-os destruindo uns aos outros em batalhas homéricas.
Se os literalmente mocinhos e mocinhas já provocam situações indigestas, imaginem o que não fazem os vilões da história, na busca pela vida eterna.
Dessa forma, “O Lar das Crianças Peculiares” é mais uma daquelas películas que foi feita para ser um blockbuster, mas precisa contar com a aceitação do grande público, mais acostumado com continuações de franquias do que com novas ideias para histórias se manifestando nas telonas. Pela forma cativante como a história é contada, pelos paradoxos entre o muito fofinho e o muito horrendo, pelo grande elenco envolvido, pela originalidade e surrealismo do tema, esse filme tem tudo para ter uma continuação e potencial para gerar uma nova franquia. Vale a pena dar uma chegadinha ao cinema e se divertir.