Domingos de Oliveira está de volta com sua nova película “BR 716”. O filme traz velhos elementos já vistos em outros filmes do diretor. Mas também traz algo de novo. O que mais importa é que foi um bom filme dessa vez, pois Oliveira consegue emplacar boas histórias contadas alternadas com algumas nem tão cativantes.
Vemos aqui a história de Felipe (interpretado por Caio Blat), uma espécie de “bon vivant” que tem um gigantesco apartamento na rua Barata Ribeiro, 716 (daí o título do filme), que foi herdado do seu pai (interpretado por Daniel Dantas), um homem falido, mas com seu nome limpo na praça. O problema é que Felipe dá festas homéricas em seu suntuoso apartamento, regadas a muito álcool e porralouquices. Felipe, inclusive, tem o sonho de ser roteirista, mas sua natureza, que é emocionalmente instável (um verdadeiro alter ego de Oliveira), faz com que ele tenha sempre obstáculos para concluir seu projeto. Ao perder a namorada para o melhor amigo, o homem cai em depressão e só consegue se esquecer um pouco dela com as tradicionais noitadas em seu apartamento, que aumentam cada vez mais a conta pendurada no bar da rua do seu prédio. Mas a trama não gira somente em torno do protagonista. Os muitos frequentadores das festas do apartamento também são personagens inusitados, divertidos e tragicômicos. Temos o caso da psicóloga e sua paciente que têm um relacionamento homossexual altamente violento (por parte da paciente), uma ninfeta (maravilhosamente interpretada por Sophie Charlotte), que quer ser cantora ou atriz, e sabe lançar mão de sua beleza para conseguir o que quer, ou o escritor e jornalista que joga cantadas altamente inconvenientes para as mulheres da festa (muito bem interpretado por Pedro Cardoso, embora sua presença tenha sido pequena na tela). Personagens um tanto loucos em festanças insanas. Mas toda a farra terminaria de forma um tanto melancólica, onde a chegada da ditadura militar seria o anticlímax para o clima de euforia.
Qual seria o elemento antigo do filme, muito presente em outras películas de Oliveira? A tremenda cara de comédia de costumes dos filmes do diretor, retratando a vida de uma elite de Zona Sul, que pode se dar ao luxo de ter crises existenciais e produtivas. Devo confessar que incomoda um pouco o fato do bairro de Santa Cruz ser tratado como outra galáxia no filme. Tudo bem que ele seja muito longe da Zona Sul e a mobilidade entre essas duas partes da cidade na década de 60 fosse muito pior que hoje, mas o filme abordou essa questão com uma relativa segregação social, principalmente em algumas piadas sob a ótica de quem vive na Zona Sul. Por outro lado, o filme trouxe algo novo que foi a força de vários personagens carismáticos. Embora as outras películas de Oliveira tenham vários personagens interessantes, dessa vez a coisa foi diferente, pois o clima altamente festivo e explosivo fez com que cada personagem tivesse uma diversidade toda própria, sempre trazendo um elemento novo, regado com muito carisma. Não foi um filme de um protagonista com coadjuvantes. Todos eram protagonistas, pois eram personagens muito intensos, tal como a grande festa que era o BR 716 fosse o real personagem coletivo, formado pelas individualidades dos demais personagens. Claro que o personagem de Blat era o mais importante, mas o filme não girava totalmente em torno dele e isso tornou a película muito atraente.
Outro fator que chama a atenção é a situação de instabilidade política que tomou conta do filme com a proximidade do golpe militar de 1964, que é um tanto semelhante com a situação de instabilidade política de hoje, aliada a uma gama altamente autoritária que está no ar. As festas no BR 716 eram uma espécie de ilha de bom senso, paradoxalmente formada por festeiros bêbados, em meio ao clima de autoritarismo existente. O apartamento, inclusive, passou a ser visto como uma bolha protetora contra os dias do golpe militar e ninguém arredou o pé de lá por dias, com medo dos tempos sombrios que viriam. Tal situação de insegurança e medo com relação ao futuro está bem viva também nos dias de hoje.
Dessa forma, “BR 716” foi um bom filme de Domingos de Oliveira que, se de um lado ele se repetiu em sua comédia de costumes, por outro lado ele mostrou uma gama de personagens todos interessantes, onde não havia propriamente a figura do coadjuvante. Para que isso funcione, o diretor contou com um bom elenco de atores que cumpriram muito bem os seus papéis. Vale a pena dar uma conferida neste filme.