David Bowie nos deixou em janeiro do ano passado. E para se fazer a recordação de um ano de sua morte, os cinemas exibem “O Homem Que Caiu Na Terra”, um filme muito louco, mas que aborda questões muito pertinentes. Confesso que nunca achei David Bowie um grande ator. Para mim, sua melhor performance foi em “Furyo”. Em “O Homem Que Caiu Na Terra”, sua fala mansa e jeitão bem pacato (como ele era, realmente), fizeram com que sua atuação fosse um contínuo de inexpressividade, intercalado com raros momentos de explosão dramática, que acabaram soando artificiais. O ambiente esquisitão do filme, dirigido por Nicolas Roeg em 1976, também não ajudou muito nas coisas. A única certeza era a de que Bowie realmente parecia um alienígena… um alienígena muito delicado, por sinal.
Mas, no que consiste a história? O tal alienígena interpretado por Bowie chega a Terra, pois seu planeta natal passa por uma enorme carência de água, tanto que o extraterrestre sempre está bebendo um copinho do precioso líquido. Não fica claro no filme se ele vai levar água para seu planeta, mas ele consegue enriquecer através do registro de muitas patentes que irão torná-lo o empresário da mais importante multinacional do mundo, que controla todos os setores que existem. Com esse dinheiro, ele quer construir uma nave para retornar ao seu planeta, mas é enganado pelos humanos e mantido como uma espécie de cobaia pelo resto da vida. Ao mesmo tempo, mantém um relacionamento um tanto destrutivo com uma mulher que o ama perdidamente. Por se tratar de um alienígena, ele não envelhece na mesma velocidade dos humanos e vê todos à sua volta passando pelo peso da idade, enquanto que ele permanece jovem, o que dá uma sensação de infinitude ao seu cárcere na Terra e aumenta a impressão de agonia. E o extraterrestre só reage com falas altamente melancólicas e inexpressivas, dizendo que não guarda mágoas ou que não sabe odiar, que se um terráqueo fosse para seu planeta o mesmo aconteceria, etc., tudo com uma fala mansa que é letargia pura. Eu estaria muito revoltado em seu lugar. Cadê a pistola de raios desse extraterrestre para sair desintegrando quem o sacaneou?
O relacionamento do alienígena com a camareira que se apaixona perdidamente por ele é igualmente agônico. Candy Clark, a atriz que fez a camareira, foi muito bem no filme e pudemos sentir toda a sua dor com o sofrimento que sentia ao não se relacionar bem com o alienígena que tinha planos mais amplos em mente do que levar uma vida amorosa a dois aqui em nosso planeta. Seu temperamento hermético fazia com que a moça sofresse bastante. Como se não bastasse, a descoberta de que o amor de sua vida era um alienígena foi algo bastante traumático, sendo esses momentos os de maior carga dramática do filme.
Uma forte sexualidade e erotismo também permeiam o filme. Muitas cenas de nu frontal e de sexo devem ter sido muito agressivas para um filme inglês da década de 70, embora não choquem tanto hoje em dia. Talvez a parte mais agressiva tenha sido a cena de sexo entre o alienígena e sua esposa, onde eles estão cobertos de fluidos corporais por todo o lado, algo que aconteceu também com nossa camareira ao fazer sexo com Bowie no estado totalmente alienígena, sendo que nem todo o amor do mundo foi suficiente para ela aguentar todos aqueles fluidos. Argh!!!
É interessante notar como o magnetismo do alienígena em apaixonar a camareira e o sexo explícito no filme lembram muito detalhes da biografia do próprio Bowie que, apesar de sua bissexualidade e androginia, conseguia fazer com que muitas mulheres se apaixonassem por ele, com seu jeito delicado e doce, o que lhe rendeu muitas mulheres em sua cama. Mas o filme também é uma crítica ao (mau) caráter humano, onde uma empresa pode controlar tudo e apunhalar pelas costas seu próprio dono, a ponto de transformá-lo numa cobaia para experiências. Era humilhante e degradante ver o alienígena ser submetido a toda uma bateria de exames para encontrar semelhanças e diferenças entre ele e os humanos.
Dessa forma, “O Homem Que Caiu Na Terra” é um daqueles filmes que chamam a atenção por conter várias curiosidades. Em primeiro lugar, é um filme estrelado por David Bowie que, mesmo não sendo lá um grande ator, chama muito a atenção. É, também, um filme que agride muito por sua sexualidade exacerbada e situações agônicas. E, por esses motivos, uma película pouco convencional e transgressora para a sua época, que é a década de 70. Sem dúvida, uma boa curiosidade e uma homenagem a David Bowie. E não deixe de ver o trailer abaixo.