Que tipo de cinema você prefere? Aquele que é a arte do ilusório, cheio de situações implausíveis para o cotidiano, onde você sonha e se liberta temporariamente das agruras da vida, ou aquele cinema onde a arte imita a vida e mostra de forma nua e crua todas as tristezas e empecilhos para nos fazer refletir? É o tipo de pergunta que não tem uma resposta única e depende da vontade do freguês que paga o ingresso na bilheteria. Pois bem. Um filme que tem sido muito falado ultimamente estreou em nossas telonas. Trata-se de “Manchester à Beira Mar”, escrito e dirigido por Kenneth Lonergan, e sua história opta por imprimir um violento choque de realidade no espectador. Ou seja, nada de fantasias e “happy-ends”. Nada de voos pretensiosos e espetaculares. Aqui é a dureza do dia-a-dia quem dá as cartas. E, por isso mesmo, o resultado foi maravilhoso em virtude de sua forte franqueza. Lembremos, ainda, que esta película concorre a seis Oscars: melhor filme; melhor ator, para Casey Affleck; melhor ator coadjuvante, para Lucas Hedges; melhor atriz coadjuvante, para Michelle Williams; melhor diretor, para Kenneth Lonergan; e melhor roteiro original, para Kenneth Lonergan. Além disso, esse filme ganhou o Globo de Ouro para melhor ator de drama (Casey Affleck).
Vemos aqui a história de Lee Chandler (interpretado por Casey Affleck), um zelador de quatro pequenos prédios que é uma espécie de faz-tudo, realizando pequenas obras nos apartamentos. Mas ele é uma pessoa muito fria e distante, quando não agressiva com moradores mais mal educados, o que rende uma série de reclamações contra ele. Fora do horário de trabalho, ele vive num pequeno quartinho, quando não está se embebedando em bares e provocando brigas sem motivo. Um belo dia, ele recebe um telefonema de um hospital para onde seu irmão, que vive em outra cidade, foi. Ao chegar lá, descobre que seu irmão está morto e precisa dar a notícia para seu sobrinho, Patrick (interpretado por Lucas Hedges). Enquanto providencia os detalhes do enterro, descobre na leitura do testamento que o irmão o deixou como tutor de seu sobrinho, o que significa que ele vai ter que abandonar o emprego na cidade onde estava e se estabelecer onde o Patrick mora. Mas Lee não quer isso e entra em conflito com o sobrinho. Isso é somente o princípio de uma série de idas e vindas entre tio e sobrinho, onde os dois terão que aprender a conviver juntos e a entrar num entendimento do que será feito, já que seus interesses são praticamente contrários em tudo.
Dizendo o enredo do filme dessa forma, parece que a história é algo extremamente simplório e maçante. Mas não é. E isso acontece, sobretudo pela excelente atuação de Casey Affleck, que herdou a difícil missão de interpretar um personagem extremamente complicado e letárgico, em virtude de um trauma muito violento que a vida lhe impôs. Isso fazia com que ele se tornasse um homem extremamente fechado e de difícil trato com as pessoas à sua volta. E o irmão caçula de Ben Affleck deu conta do recado, tornando-se o centro das atenções. Desde o início, sentimos que há algo de muito errado com esse personagem, e descobrimos a coisa aos poucos, onde alguns flash-backs foram enxertados na estrutura narrativa de forma muito clara e sem comprometer o andamento da história (ponto aqui para a montagem). Casey Affleck faz o espectador imergir no personagem e compartilhar de todas as suas dores e angústias. E esse sentimento fica muito claro quando o tio se abre ao sobrinho bem ao final da película e diz com toda a sinceridade o que sente. Mas não o direi aqui por causa dos “spoilers”. Affleck tem a minha torcida para ganhar a estatueta de melhor ator.
No mais, a trama é cativante, pois por se tratar de um tema tão real e presente na vida das pessoas (às vezes nossas vidas viram de cabeça para baixo quando um ente querido morre), elas se identificam imediatamente com o que veem na tela, lembrando-se de algumas cicatrizes e feridas que o passado lhes deixou. É um filme sobre temas banais que nos fazem emocionar. Um filme digno da atenção que está chamando. Um bom programa para ajudar a refletir um pouco sobre a vida.