Um bom documentário brasileiro em nossas telas. “Crônica da Demolição”, de Eduardo Ades, fala de um tema que é caro a muitas pessoas: o espaço urbano carioca. Mas vai falar desse espaço urbano de uma perspectiva nada romântica ou animadora. Aqui, o espaço urbano é tratado não como preservador de uma memória, mas sim o contrário: de como a nossa memória é sistematicamente apagada e simplesmente enterramos o nosso passado em escombros que são literalmente jogados no lixo, ou vendidos a preços de banana.
O apagamento da memória em questão se refere à destruição do Palácio Monroe, a sede do senado federal quando o Rio de Janeiro era a capital do país e, com a transferência da capital para Brasília, ficou ocioso. Durante o governo do presidente Ernesto Geisel, ou seja, em plena ditadura militar, decidiu-se demolir o palácio. A alegação inicial era de que a demolição era necessária para se realizar a obra do metrô, mas os trilhos passaram ao largo do terreno onde estava o palácio. Falou-se muito em especulação imobiliária, pois como o Rio de Janeiro é uma cidade espremida entre o mar e as montanhas, o preço dos terrenos aqui é muito alto. Mas nada de muito importante foi construído no lugar do palácio. Temos apenas um chafariz tristonho por lá e sem água, além de um estacionamento subterrâneo que só foi construído muitos anos depois da demolição. Assim, ficou a incógnita: por que o palácio foi destruído? Dizia-se, também, que, por ser uma obra eclética e antiga, ele era visto como um verdadeiro “trambolho” que tornava a cidade mais feia, indo na contramão de adeptos de uma arquitetura mais moderna como Le Corbusier e Lúcio Costa. Vemos aqui como também houve o discurso do embate entre a tradição e a modernidade na questão da demolição do palácio. De qualquer forma, fica bem evidente que a destruição do palácio foi uma decisão tomada de cima para baixo, sem qualquer preocupação com a preservação e o patrimônio. O próprio palácio, ao ser demolido, estava abandonado e empoeirado, numa mostra do descaso total com a memória de nosso país. Todas essas ideias são exibidas no documentário por vários especialistas em arquitetura e planejamento urbano, recheadas com muitas cenas de arquivo, que nos ajudavam a ter uma noção exata do que aconteceu do ponto de vista factual.
Mas o documentarista não optou por fazer um filme voltado a uma opinião própria e ele deu voz a pontos de vista contra e a favor da demolição. Talvez a maior prova disso (alerta de “spoiler”) seja a imagem final do documentário, onde vemos o espaço do antigo palácio tomado por um gramado cheio de pombos comendo milho, que foi estrategicamente espalhado formando um grande ponto de interrogação, espelhando a verdadeira incógnita por trás dos verdadeiros motivos pelos quais o palácio foi demolido.
Assim, “Crônica da Demolição” é um documentário altamente recomendável para quem gosta da História da Cidade do Rio de Janeiro e de como seu espaço urbano e tratado ao longo do tempo. É um filme que aborda a delicada temática da preservação da memória, do embate entre a tradição e a modernidade e de como o autoritarismo latente de nossas autoridades simplesmente faz o que quer, pouco se importando com a opinião pública. Um filme muito importante, ainda mais para os tempos autoritários pelos quais nós temos passado.