Selton Mello está de volta ao cinema, assinando a direção. Depois do bom “O Palhaço”, o ator traz “O Filme da Minha Vida”, onde ele assina o roteiro, baseado num romance do autor chileno Antônio Skármeta, conhecido no cinema por escrever obras do naipe de um “O Carteiro e o Poeta”. E, dessa vez, Mello caprichou, pois ele conseguiu reunir num filme talentos da magnitude de um Vincent Cassel e um Rolando Boldrin. Isso sem falar da boa revelação de ator que foi Johnny Massaro. Mello conseguiu colocar no cinema uma história muito simples de um rapaz de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul de uma forma tão soberba que podemos dizer que houve uma reificação, não no sentido pejorativo do termo, onde se elege algo e se cristaliza isso, tornando algo excessivamente solene e imutável, mas sim uma reificação onde tudo na vida, por mais simples que seja, pode assumir uma dimensão gloriosa.
Vemos aqui a história do jovem Tony (interpretado por Massaro), o tal menino de vida simples que admirava enormemente seu pai Nicolas (interpretado por Cassel, um francês que era um grande exemplo para o filho). Um belo dia, Tony já está crescido e precisa se retirar da cidade para estudar para obter a profissão de professor. Quando ele retorna, descobre que o pai misteriosamente voltou para a França, sem deixar vestígios. O rapaz, então com 29 anos, leva a vida de professor, interage com sua mãe e o amigo de seu pai, Paco (interpretado por Mello), segue em seus flertes com a amiga Luna (interpretada por Bruna Linzmeyer) e, lá no fundo, sente uma falta enorme de seu pai. A única coisa que alivia essa sua saudade é a paixão incontrolável pelo cinema e a vontade de frequentar o Cine Roxy, na cidade vizinha. Será exatamente nesse cinema que a vida do Tony sofrerá uma reviravolta. Mas chega de spoilers por aqui.
Essa é uma história que cativa o espectador de forma imediata. Todos os elementos com os quais qualquer pessoa se identifica estão lá: o primeiro amor, a primeira vez, a afeição filial, o sofrimento da ausência. É impossível a gente não se encaixar num desses elementos. Mas Mello conseguiu fazer isso de um jeito muito singelo, sem explosões emocionais mais carregadas. Tony sofria, mas ele não transparecia isso, exceto num momento em que ele toma uma atitude mais destemperada. Por mais artificial que isso possa parecer, a coisa não ficou muito pronunciada graças à boa atuação de Johnny Massaro, que conseguiu ser suave em todo o tempo, mas também usou doses comportadas de dramaticidade nos momentos certos. Sua cara ao sair da salinha de cinema maravilhado com o filme que acabou de assistir toca no fundo do coração de qualquer cinéfilo. Mello também atuou muito bem. Sua pouca idade para o papel foi compensada por uma barba estrategicamente inserida e pela interpretação perfeita de um homem rude e rústico, convencendo bastante. Foi uma pena que Rolando Boldrin tenha aparecido pouco. Teria sido muito legal se a gente tivesse tido mais oportunidades de apreciar seu talento artístico. Ver Skármeta, o autor do livro que deu origem ao filme, também é digno de nota. Mas a grande estrela do filme, sem a menor sombra de dúvida, foi Vincent Cassel. Falando um português perfeito, apesar do sotaque francês obrigatório para o papel, Cassel foi grandioso como o verdadeiro paizão, mas foi além como o pai arrependido que deixa o filho para trás. Ele foi, assim como Massaro, de uma suavidade incrível na sua interpretação.
Outra coisa que muito chamou a atenção foi o uso de closes. Esse é um elemento pouco explorado hoje em dia de forma tão expressiva. E é legal ver Mello resgatar isso, cujos filmes de Walter Hugo Khouri são o maior exemplo no Brasil. Num filme de poucas explosões emocionais e altamente singelo, os closes e sua expressividade se sobressaíam bastante.
Assim, “O Filme da Minha Vida” é mais uma grata surpresa de nosso cinema e a constatação de que Mello deu um passo à frente em seu talento como diretor, escritor e realizador de filmes. Ele consegue transformar o mais singelo numa história em que todos nós nos prendemos e nos identificamos, além de ter conseguido um baita de um elenco, com atores muito expressivos, principalmente em seus closes. E tudo isso sem explosões emocionais mais profundas. Vale a pena prestigiar essa pequena joia de nosso cinema.