Um interessante filme chileno em nossas telonas. “Uma Mulher Fantástica” ganhou o Urso de Prata de melhor roteiro no Festival de Berlim e é o representante do Chile que tenta ficar entre os cinco finalistas para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro no ano que vem. Esse é mais um filme de temática LGBT que vai mostrar de forma nua e crua a questão da homofobia. Um tema que, apesar de já muito batido no cinema, torna-se ainda necessário de ser explorado, pois a intolerância continua muito grande por aí e sem data marcada para pelo menos arrefecer um pouco.
No que consiste a história do filme? Vemos aqui um casal formado por um respeitável senhor, Orlando (interpretado por Francisco Reyes), que possui uma tecelagem, e Marina Vidal (interpretado por Daniela Vega), um jovem travesti. A vida dos dois passa por brancas nuvens num amor bem sincero, até o dia em que Orlando acaba morrendo de um mal súbito, não antes sem rolar pelas escadas do prédio em que mora e ficar com um ferimento na cabeça. Marina, temerosa de que a morte de seu parceiro se tornaria um escândalo em virtude de sua presença, deixa o hospital às pressas depois de comunicar a morte ao irmão de Orlando. Esse será apenas o pontapé inicial de uma sucessão de situações em que Marina será vista com extremo preconceito pela polícia e pelos familiares de Orlando, sofrendo muitas humilhações por conta da homofobia de todos.
Pode-se dizer que, embora a homofobia seja o foco principal, sentimos que a mesma é alimentada por outras fontes de preconceito no filme. A questão do travesti ser o amante de Orlando coloca a família numa posição de guerra contra Marina, pois fica parecendo que ela pega um homem mais velho por pura questão de interesse financeiro, algo que poderia também acontecer com uma mulher. Mas a coisa fica bem mais pesada pelo fato de Marina ser um travesti, sendo vista como uma aberração pelos parentes de Orlando, que até a impedem de ir ao enterro do amado. É notável a posição de Marina em boa parte do desenrolar do filme, onde ela busca evitar os conflitos e poucas vezes afronta os preconceitos. Por isso mesmo, quando ela busca essa afronta, a situação fica bem tensa, pois o travesti sofre uma dura reação de seus algozes, mas também consegue ser bem duro contra esse tipo de reação em outros momentos.
A atuação de Daniela Vega, que interpretou Marina, é notável. Obviamente, todo o filme gira em torno dela. Por se tratar de um tema muito delicado e suscetível a muito preconceito, sentimos que a atriz optou por uma interpretação mais contida e serena, sendo mais explosiva pontualmente e nos momentos certos. A forma como a atriz humanizou seu personagem fez com que o público ganhe muita empatia com ela. E a gente compra a ideia de todas as dores e humilhações pelas quais Marina passa, como se doessem em nós mesmos. Mais do que uma discussão de questão de gênero ou de homofobia, esse filme explora o lado humano de um personagem literalmente caçado por uma sociedade homofóbica insana.
Assim, “Uma Mulher Fantástica” é um programa obrigatório e imperdível. Um filme que merece muito chegar entre os cinco finalistas a Oscar de Melhor Filme Estrangeiro no ano que vem. E, mesmo que não chegue, isso não diminuirá em nada seu brilho, já reconhecido internacionalmente no Festival de Berlim. Um filme essencial em tempos de intolerâncias tão sombrias pelas quais nosso país passa.