O Cineteatro Maison de France apresenta a peça “Josephine Baker, A Vênus Negra”. Estrelada pela versátil Aline Deluna e com o acompanhamento dos músicos Dany Roland (Bateria e Percussão), Christiano Sauer (Contrabaixo, Violão e Guitarra) e Jonathan Ferr (piano e escoleta), que também se revelaram versáteis atores, e com direção de Otávio Muller e texto de Walter Daguerre.
Esse notável musical conseguiu traçar de forma muito eficiente a não menos notável trajetória dessa artista nascida nos Estados Unidos, mas que acabou se radicando na França em virtude do racismo latente do primeiro país e de uma maior receptividade do segundo.
Deluna começa a peça vindo do fundo da plateia para o palco, com o pano caído. Ela dá a boa noite, se senta no palco e começa a conversar com a plateia. Inicialmente, fala dela mesma, de como conheceu Josephine Baker e de sua identificação imediata com a artista. Pouco a pouco, ela sai de sua vida e entra na infância de Baker nos Estados Unidos, narrando detalhes de sua vida em terceira pessoa. É de chocar o trecho de sua infância, em que foi tratada com violência e assédio sexual quando era faxineira nas casas dos brancos americanos. E muito mais chocante foi saber que todo o seu bairro foi destruído e assassinado por brancos racistas. Pouco a pouco, foi entrando na carreira musical, embora fosse mais chamada para trabalhar como camareira, até que consegue seu primeiro palco e número musical. Sua forma simultaneamente sensual e cômica, dançando propositalmente de forma desengonçada, chamou a atenção de um empresário que a levou à Paris, onde ela se espantou com o tratamento totalmente diferente de seu país de origem. A partir daí, a peça toma ares de musical onde Deluna destila todo o seu talento, seminua em muitos números, tal como era Baker. Foi muito legal também ver os músicos na peça. Eles, além de tocarem seus instrumentos com maestria, interagiam com a atriz, fazendo papéis de pessoas que passaram pela vida de Baker: empresários e amantes, além de alguns maridos de seus cinco casamentos. Lances da vida de Baker eram contados alternados pelos números musicais, o que ajudou a peça a fluir com naturalidade, não saturando o público de informações. A plateia também participou de forma ativa, quando o elenco descia à ela e trazia pessoas para subirem ao palco, onde até um trenzinho foi feito durante o número musical. Outro trecho marcante da peça foi a ligação de Baker com o Brasil. A artista veio ao Rio de Janeiro várias vezes, se encantou com um menininho muito talentoso que mais tarde contracenaria com ela em alguns shows no Brasil, sendo esse menininho o futuro multimídia Grande Otelo. Conheceu Le Corbusier (teve até um affair com ele), arquiteto francês que teria um papel fundamental na modernização do Rio de Janeiro, e ficou hospedada na casa de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. Só para arrematar, ficou maravilhada com o show dos Dzi Croquettes e inclusive pediu ao dono da casa de shows em que atuava que contratasse o grupo brasileiro como atração efetiva depois que ela saísse de lá e abandonasse a vida artística.
Outros detalhes da vida de Baker foram enfocados: sua revolta com os americanos ao, já consagrada na Europa, fazer um show nos Estados Unidos e ser tratada com desrespeito pela crítica em virtude do racismo; sua participação como espiã na Segunda Guerra Mundial, onde a emissão de documentos falsos por ela salvou muitas vidas; o problema no útero que quase a matou e a impediu de ter filhos; e a sua famosa “tribo arco-íris”, onde adotou muitas crianças de várias origens diferentes para provar que a diversidade pode perfeitamente viver em harmonia.
Outro detalhe interessante foi o repertório musical da peça. Além das músicas mais antigas cantadas por Baker, buscou-se músicas mais recentes e ouvimos de Madonna a até funk, passando pelas músicas cantadas por Carmen Miranda, promovendo uma ida e volta entre passado e presente na narrativa. Essa ida e volta também aconteceu de uma forma muito feliz na peça ao se comparar o conservadorismo e radicalismo da época de Baker com o conservadorismo e radicalismo autoritário dos dias de hoje, um ponto da peça que fez refletir muito.
Após o final do espetáculo, o público teve ainda a oportunidade de trocar algumas ideias e tirar fotos com o elenco no saguão do teatro, ou admirar um vídeo com vários momentos da própria Josephine Baker, algo que ajudava a confirmar o grande trabalho de Deluna na peça.
Assim, “Josephine Baker, A Vênus Negra” é uma grande peça de nosso teatro em cartaz no Maison de France até 17 de dezembro. Um excelente musical com atores talentosíssimos, uma ótima reconstituição de uma instigante história de vida, um aguçado senso crítico sobre os dias de hoje e uma simpática interação entre palco e plateia. Espetáculo imperdível!!!