Um bom filme em nossas telonas. “Assassinato No Expresso Oriente” marca a volta de histórias da mestre Agatha Christie no cinema, sob a responsável chancela de ninguém mais, ninguém menos do que Kenneth Branagh. Um filme que tem como atrativo uma grande história, contada por um grande elenco. Além de Branagh, no óbvio papel de Hercule Poirot, com seu bigode de trinta quilômetros, tivemos nomes de peso como Judi Dench, Willem Dafoe, Johnny Depp, Penélope Cruz, Michelle Pfeiffer e a “Star Wars” Daisy Ridley. Mesmo que o filme tenha sido totalmente centrado em Branagh, somente a presença desse elenco é um belo cartão de visitas que já faz o filme ser ansiosamente aguardado.
A história não sai do lugar comum das tramas de Christie: um assassinato, onde Poirot precisa desvendar o mistério de quem é o assassino, dentre todo um rosário de suspeitos. No caso aqui, a vítima é um gângster magistralmente interpretado por Depp (sua face camaleônica novamente o torna irreconhecível e o fato dele ser o morto em questão torna a sua presença limitada na película, o que é uma pena). Poirot está cansado e já faz uma viagem para desvendar um caso. O detetive precisa de férias e recebe esse pepino para descascar em pleno trem, que fica preso numa avalanche. Assim, ele tem pouco tempo para descobrir o assassino, enquanto os funcionários da linha férrea desobstruem os trilhos cobertos pela neve. O filme dá a entender que esse é um dos casos mais difíceis que Poirot enfrentou, cujo desfecho é bem trágico, o que talvez tenha colocado essa história de Christie numa posição mais singular. Como eu somente li um livro da autora, não posso dar uma opinião segura quanto a isso, mas se agregarmos as histórias de “Morte Sobre o Nilo” e “Testemunha de Acusação”, ambas aproveitadas para o cinema, vemos que “Assassinato no Expresso Oriente” toma um caminho um tanto diferente dessas demais histórias no que se refere ao desfecho. De qualquer forma, o filme nos dá uma sensação de mortificação e aperto no coração em seu final, onde sentimos toda a dor de Poirot com o que ele presencia, o que dá margem para uma boa reflexão e discussão filosófica. Ou seja, é uma Agatha Christie que faz pensar não na forma da montagem de uma trama, mas sim faz pensar questões mais profundas. Até pelo fato de o filme terminar dessa forma mais inusitada, a atenção total que o espectador deve dar a uma história que reconstitui um assassinato como se fosse as peças de um quebra-cabeça não é tão necessária assim. E a cerebralidade policial da película é substituída por algo mais emotivo e que lança nossa alma numa lamentação incomensurável.
Com relação aos atores? Branagh simplesmente arrebentou. Ele deixou bem clara a meticulosidade do personagem ao exigir dois ovos cozidos rigorosamente iguais e em ser um observador rigoroso, sendo possível identificar cada detalhe de seu interlocutor. Suas gargalhadas ao ler Dickens também foram dignas de atenção, já que o escritor é famoso por contar histórias não tão alegres assim. Todos esses detalhes atraíam o espectador que nada conhece sobre Poirot ou ajudavam a ressuscitar uma figura há muito tempo esquecida (o que foi o meu caso). Do elenco estelar, devo confessar que lamentei o pouco tempo de tela a alguns medalhões do naipe de Dafoe, Dench e Cruz. Michelle Pfeiffer estava magnífica no filme e, mesmo com os sinais da idade já despontando em sua face, ela não deixa de ser uma mulher charmosa. Ainda contribui para a atuação dela o fato de sua personagem ter uma certa centralidade na história. Só é de se lamentar que, com tantos craques de atuação aqui, Daisy Ridley tenha ficado tão ofuscada. Bom, se ela quer ser grande, ela precisa estar entre os grandes. E se ela foi chamada para isso, eu considero tal situação um bom sinal. Ela fez o que podia fazer de melhor ali. Mas teve um baixo tempo de tela, também, até por motivos óbvios.
Dessa forma, “Assassinato No Expresso Oriente” pode até ser mais uma adaptação de Agatha Christie para o cinema, mas não deixa de ser simpática e atraente, pois é conduzida por alguém muito competente como Branagh. Pela boa história, pelo elenco e, principalmente, pela reflexão gerada por um desfecho um tanto inusitado, vale a pena dar uma conferida.