E chegou o grande vencedor de Cannes do ano passado em nossas telonas. “Square, a Arte da Discórdia”, escrito e dirigido por Ruben Östlund, também recebeu uma nomeação para o Globo de Ouro deste ano (melhor filme em língua estrangeira). É uma película que, apesar de muito exótica e altamente inusitada, consegue manter um fio narrativo mais tradicional e, ao mesmo tempo, gera toda uma fábrica de reflexões. Um filme que justificou sua premiação com a Palma de Ouro. E um filme que trabalha uma série de pormenores muito bem amarrados.
Vemos aqui a história de Christian (interpretado por Claes Bang), um homem que é responsável por organizar exposições para um renomado Museu de Arte da Suécia. Um belo dia, o museu recebe a proposta de organizar uma exposição de uma artista argentina, onde ela imagina um quadrado de quatro metros quadrados, onde quem se coloca ali tem todos os direitos e deveres de um cidadão comum, sendo obrigado a ajudar a quem precisa.
Para promover uma exposição de ideia tão simples, uma equipe de marketing é contratada e ela propõe uma campanha que transforme essa temática em um verdadeiro espetáculo midiático para chamar a atenção. A partir daí, o filme mostra todo um rosário de situações que questionam se realmente cumprimos ou não esse papel mais humanista na sociedade em que vivemos, assim como qual é o papel da arte numa sociedade.
O filme consegue ser muito engraçado em alguns momentos e muito tenso em outros. Seu humor é altamente mordaz, sobretudo quando se refere ao significado de algumas peças de arte contemporâneas, qual é o papel de um curador de museu que tem muito poder, mas é obrigado muito mais a seguir parâmetros econômicos do que artísticos ou então momentos muito surreais, como o de manter um macaco (grande) dentro de casa, ato que espelha todo o inusitado dos valores da arte contemporânea. A tensão se manifesta nas performances altamente ousadas e iconoclastas que chegam a um momento extremo numa determinada passagem do filme. Mas a película, acima de tudo, mostra como as pessoas tratam a proposta da artista argentina como uma verdadeira falácia, já que ninguém assume uma postura mais solidária com os mais necessitados, principalmente os que estão mais envolvidos na montagem da exposição e convivem diariamente com essa ideia de solidariedade. O mais interessante é que quando alguém se propõe a ajudar, é mal visto pelo pedinte, ao bom estilo “quando pede a mão, quer o braço”, como se ser solidário levasse a uma punição nos dias de hoje. Muito curioso também é ver como a estratégia de marketing da exposição e seus desdobramentos podem ser encarados de diversas formas, indo desde o eticamente imoral com os mais pobres até o eticamente imoral com a liberdade de expressão, mas sempre eticamente imoral.
Assim, “The Square, a Arte da Discórdia”, é um filme que deve ser acompanhado com atenção, pois ele aborda dois temas muito caros: qual é o papel da arte contemporânea na sociedade e qual é o nosso papel na sociedade. Ao exibir situações muito variadas ao longo do filme, ele escapa de pólos muito extremos, embora tenha coragem também de analisar situações bem agudas. Pela sua riqueza, o filme chega a dar um pequeno nó na cabeça, mas vale muito a pena passar por essa experiência. Programa imperdível para esse início de ano.