Agora que já temos os indicados ao Oscar, vamos falar de alguns deles. Comecemos pelo curioso filme húngaro “Corpo e Alma”, o grande vencedor do Festival de Berlim do ano passado, e que era pule de dez para ser indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, sendo um forte concorrente (embora “Square, a Arte da Discórdia”, já resenhado aqui, seja também um concorrente à altura, por ter vencido Cannes).
O que podemos falar desse filme? Sua história é, no mínimo, original, com pitadas leves de surrealismo. Tudo se passa num… matadouro, onde o filme não poupa esforços em mostrar todo o cotidiano de trabalho desse lugar, o que significa que veremos bois sendo mortos e preparados para o consumo humano, o que não deixa de provocar um certo remorso em comedores de carne, embora a gente não possa se esquecer de que tudo ocorre em função de uma cadeia alimentar. Filosofias à parte, temos nesse matadouro, dois personagens principais: Endre, o diretor financeiro do matadouro (interpretado por Géza Morcsanyí) e María, uma funcionária recém-chegada, responsável pelo controle de qualidade (interpretada pela bela Alexandra Borbély).
A moça é bem rigorosa na avaliação da qualidade das carnes e pouco sociável, tendo dificuldades até em ser tocada por outras pessoas (ela é muito arredia ao toque humano). Já Endre decidiu dar um tempo nos relacionamentos com as mulheres depois de algumas decepções. Essas duas figuras, altamente travadas para relacionamentos, formarão um inusitado casal. E como os dois vão se aproximar? Depois que ocorre um roubo de remédios no matadouro (que estimulam o apetite sexual dos bois), foi feita uma investigação com uma avaliação psicológica. A psicóloga, diga-se de passagem, com muito sex appeal, pergunta aos funcionários sobre os sonhos que têm durante à noite, e descobre que Endre e María têm o mesmo sonho: que são cervos e se encontram próximo à um lago numa floresta congelada. A partir daí, esse casal extremamente tímido irá se aproximar gradualmente, com idas e vindas, algumas vezes estimulantes, outras vezes traumáticas.
Um filme do leste europeu é sempre um pouco difícil de digerir, já que trata-se de povos com uma cultura um pouco diferente da nossa, cujos hábitos e formas de comportamento nos causam uma certa estranheza. Mas creio que esse filme chamou muito a atenção justamente pelo inusitado da história, tornando-a universal e superando as barreiras culturais. O próprio comportamento de María, que simulava as conversas que ia ter com Endre, usando saleiros como personagens ou até mesmo os bons e velhos playmobils, fazia a gente ter uma afeição com a personagem (quem nunca foi inseguro em matérias de relacionamento amoroso, que atire a primeira pedra). E aí, na hora da conversa mesmo, alguma coisa sempre dava errado. Quer tema mais universal do que esse? Eu creio também que, a interpretação dos atores ajudou muito. O casal de atores conseguiu uma interpretação contida e suave, sem a aparência robótica que os povos do leste europeu nos passam. Esse, também, foi um grande trunfo para o filme.
Assim, se você não viu “Corpo e Alma”, vale a pena dar uma corridinha aos cinemas antes da noite da premiação do Oscar, pois essa é uma daquelas películas que valem bastante à pena. Uma história inusitada, surreal, engraçada, e com a qual nos identificamos, mesmo vindo de uma cultura tão distante para nós como a húngara. É legal dar uma conferida.