Um curioso filme passou em nossas telonas. “Os Iniciados” fala de tradição. Mas também fala de modernidade. Mais uma película que trata do embate entre esses dois pólos, trabalhando, dessa vez, a modernidade como algo mais positivo que a tradição. É um filme que trata, ainda, da questão do homossexualismo.
Vemos aqui a história de Xolani (interpretado por Nakhane Touré), um homem do interior que foi incumbido de levar um adolescente da cidade grande para o interior com o objetivo de orientá-lo num ritual de iniciação que o transformará em… homem (!). Tal ritual consiste numa violenta circuncisão à sangue frio, que deixa um grande ferimento que deve ser tratado num espaço de duas semanas. Enquanto tratam de seus ferimentos, os iniciados participam, junto de seus orientadores, de uma série de outros rituais que os transformarão em homens.
Até aí, descontando a violência da circuncisão, tudo bem. O problema é que Xolani é homossexual e tem um caso com outro orientador, Vija (interpretado por Bongile Mantsai). Como o iniciado de Xolani também é homossexual e está ali muito a contragosto, e o rapaz percebe o caso dos dois orientadores, dá para perceber como o relacionamento entre esses três personagens será uma espécie de bomba relógio nesse ambiente regado à muita testosterona.
O embate entre tradição e modernidade se manifesta aqui de várias formas: o campo e a cidade (onde o iniciado de Xolani é visto com preconceito pelos outros iniciados por ser da cidade e o próprio iniciado vê os outros com preconceito por estarem tão atrelados àqueles rituais); a cultura homossexual e heterossexual; a tecnologia e a vida silvícola. Esses pólos não se manifestam de forma estanque e mesclam-se entre si, principalmente no caso dos orientadores homossexuais que, ao mesmo tempo, são guardiões das tradições. O próprio jovem, que é do meio urbano e repudia a tradição, acaba se agarrando de certa forma a ela quando ele quer se afirmar perante os demais jovens que caçoam dele e o faz de uma forma violenta, como a boa tradição masculina impõe. Muitas vezes, a dubiedade da situação entre esses dois pólos aparece no gestual corporal dos personagens, sobretudo no relacionamento entre Xolani e Vija, onde as carícias são feitas de forma ríspida e precedidas de agressões físicas, como se a opressão da tradição os impedisse de terem uma postura mais carinhosa um com o outro.
Em virtude de toda a tensão produzida pelo filme, um happy end acaba se tornando impossível aqui. Mesmo com essa constatação um tanto óbvia, o final não deixa de ser surpreendente, de uma certa forma. Mas paremos com os spoilers por aqui.
Assim, “Os Iniciados” mostra para nós mais uma vez o embate entre a tradição e a modernidade, desta vez no interior da África do Sul e numa cultura que pode ser considerada muito exótica para alguns, mas que não deixa de ter algumas ligações com a nossa cultura ocidental por outro lado. A coisa da circuncisão e do “ser homem” não é, de jeito nenhum, uma exclusividade dessa cultura tribal africana exposta no filme. E, mais uma vez, temos uma película que nos faz pensar, o que sempre é algo bem vindo.