O cineasta belga radicado no Brasil Jean Claude Bernardet, conhecido também por ser um estudioso do cinema brasileiro, com livros de sua autoria publicados sobre o assunto, chega em mais um filme para nós. “Antes do Fim”, dirigido por Cristiano Burlan é, acima de tudo, um filme que pensa a vida, ou a morte. Do alto de seus 81 anos, chega a hora em que o ser humano precisa fazer aquela pausa, aquele “fechado para balanço”, onde se olha para trás e para frente, buscando colocar as ideias em ordem e ver quais rumos o pouco tempo que resta deve tomar.
E aí, nosso intrépido protagonista (interpretado por Bernardet) toma a decisão com muita serenidade: é melhor pôr logo um fim a tudo, saindo de cena bem, antes que as mazelas provocadas pelas doenças o coloquem numa existência lastimável pouco antes do inevitável. Para colocar seu plano em prática, ele contará com a ajuda de sua companheira de praticamente toda a vida (interpretada por Helena Ignez). Entretanto, a longevidade pode ser mesmo uma prisão? Não seria melhor aproveitar intensamente o tempo que resta para curtir toda a vida em sua plenitude? Essas são as questões que o filme coloca, da forma mais velada possível.
E por que isso ocorre de forma tão velada? Porque a película de Burlan é arte pura, onde o narrativo tradicional ocupa um pequeno lugar em detrimento ao estético. Para começar, o filme é rodado em preto e branco, algo que já lhe ajuda a render uma linda fotografia. Em segundo lugar, há um quê bem performático, com sequências onde movimentos corporais altamente sensuais e sinuosos enchem a tela com toda uma delicadeza. O que mais impressiona é que a beleza dessa dança não fica em nada abalada pelos corpos já idosos dos atores. Em nossa mente preconceituosa com “os mais velhos”, um número de dança, a princípio, não pareceria “bonito” se feito por corpos mais idosos. A plasticidade do novo seria mais adequada à essa estética da dança. Bernardet e Ignez provam, de forma contundente, que tudo isso é uma tremenda falácia e conseguem trazer toda uma beleza às sequências onde o corpo se expressa.
O filme também tem um toque de humor, ao brincar com a própria morte, na sequência onde o casal vai comprar um caixão na funerária para o suicídio. Aqui há uma homenagem ao cinema mudo e às comédias pastelão, com uma simulação de uma briga entre o personagem de Bernardet com o dono da funerária, num verdadeiro tom de deboche com o inevitável.
Esses dois pequenos exemplos são só uma amostra de como o filme, com sua narrativa fragmentada e com a arte bem coesa e a mil, consegue trabalhar a questão da vida, da morte e da passagem do tempo. Definitivamente, um tema para se refletir, já que, cedo ou tarde, todos nós estaremos em tal encruzilhada. Tal filme é um bom exemplo e referência para lançarmos mão quando chegarmos ao ponto de nossas vidas em que faremos tal avaliação. Mais uma vez, o cinema mostra que o melhor filme é aquele que te faz pensar. Apesar de se algo pouco convencional, o que pode causar um certo estranhamento quando se começa a ver, “Antes do Fim” merece uma conferida, não somente por tratar de temas tão universais quanto a vida e a morte quanto pela simpatia do casal que dá uma careta para a velhice e ainda brinca com a vida.