Um importante documentário está em nossas telonas. “Soldados do Araguaia” fala, antes de denunciar as atrocidades cometidas pelos militares contra os guerrilheiros do Araguaia, na primeira metade da década de 70, das atrocidades cometidas pelos militares contra os soldados do próprio exército, que foram convocados para a caça aos guerrilheiros.
O diretor Belisário França (o mesmo diretor de “Menino 23”) fez um ótimo trabalho de reconstituição com imagens de arquivo ilustrando todos os horrores dos depoimentos dos soldados, que foram submetidos a torturas sem qualquer motivo, sob a alegação de que eles deveriam ser preparados para uma guerra. Alguns desses soldados, segundo seus próprios depoimentos, perderam os testículos nessas torturas, assim como eram obrigados a beber lama ou a ficarem empapuçados de açúcar e nus na floresta, sendo picados por formigas, marimbondos e todos os tipos de insetos que eram atraídos pelo açúcar.
Esses militares também testemunharam os horrores cometidos contra os guerrilheiros, onde puderam ver sacos cheios de cabeças e mãos, além do fato de que prisioneiros vivos eram supostamente enviados para Brasília por helicópteros e, ao invés disso, teriam sido lançados vivos a cachoeiras, já que o helicóptero voltava de viagem apenas cerca de meia hora depois.
Após o fim da operação, muitos desses soldados simplesmente foram dispensados e tiveram ordens estritas de nada dizer sobre tudo aquilo. Alguns não aguentaram os tormentos psicológicos e se mataram. Outros, como podemos ver nas entrevistas desse documentário, permanecem seriamente abalados depois de mais de quarenta anos do ocorrido.
Definitivamente, é um documentário assustador, mostrando a que ponto a humanidade pode chegar em todas as suas atrocidades. Tais ações do exército em nada se parecem diferentes das ações cometidas pelo mesmo exército para reprimir revoltas no interior do Brasil na virada do século passado, como as vistas em Canudos ou no Contestado, onde a população pobre foi completamente dizimada. A Guerrilha do Araguaia foi somente um pequeno exemplo de que tais práticas ainda podem ser cometidas em dias mais próximos de nosso presente. Quando vemos “Soldados do Araguaia”, parece que reviramos uma grande quantidade de sujeira debaixo do tapete, sujeira essa escondida pela anistia de 1979. De qualquer forma, esse é um filme onde o cinema cumpre sua função social de denúncia, além de ser um importante instrumento de reflexão sobre quais rumos queremos para o nosso país, tão entupido de ódio e intolerância nos dias de hoje. Esse é um programa obrigatório para todos nós, seja de qual espectro político for.