Roman Polanski volta a atacar (no bom sentido, é claro) com o seu novo filme “Baseado em Fatos Reais”. Esta película é uma adaptação do romance de Delphine de Vigan e é Polanski em estado puro, com todas as neuroses e até escatologias que têm direito na obra do diretor. Tudo isso regado a um bom suspense.
Vemos aqui a história de uma escritora, Delphine Dayrieux (interpretada por Emmanuelle Seigner), altamente renomada e esgotada, com sua grande popularidade, submetida a uma dura rotina de sessões de autógrafos e palestras. Numa dessas sessões de autógrafos, Delphine conhece Elle (interpretada pela sempre estonteante Eva Green), que diz ser uma fã da escritora. Num primeiro momento, há apenas uma conversa cordial entre as duas, mas, com o tempo, a fã se torna uma presença mais constante na vida de Delphine, sempre comparecendo nos eventos em que a escritora está e, paulatinamente, aproximando a relação entre as duas. Até que Delphine e Elle se tornam amigas muito próximas. Vai ser o início de uma amizade onde a fã tem um comportamento, digamos, obsessivo com seu ídolo, o que vai trazer muita dor de cabeça a já perturbada escritora.
Esse é um filme que incomoda o espectador, como todo bom filme de Polanski. A relação entre a escritora e sua fã é doentia, e com uma opressão da segunda sobre a primeira. Delphine fica mais afetada do que nunca, totalmente submissa nas mãos de Elle, que passa a controlar sua vida do jeito que quer. A escritora até tenta lutar contra a influência de sua fã, mas sua fragilidade emocional logo faz com que Delphine caia nas mãos da tresloucada Elle novamente. A coisa vai ficando cada vez mais barra pesada, entretanto vou acabar aqui com os spoilers, até porque haverá alguns elementos novos mais ao final.
Ficando na parte do filme apresentada aqui, esse tema da relação doentia e destrutiva entre duas pessoas não é algo propriamente inédito em cinema. A novidade reside na forma de como essa relação é tratada nos filmes. E aqui, a gente pode ver que a coisa foi feita muito bem, pois as atrizes conseguiram, em todo o seu talento, instigar a história. Seigner consegue ser muito convincente com seu semblante cansado e perturbado, com várias crises existenciais.
A ideia de fragilidade que sua atuação passa também é muito contundente e ficamos estarrecidos e angustiados de como ela fica vulnerável ao seu misto de fã e algoz. Algo agônico, digno do que a gente viu com Rosemary (isso mesmo, leitor que pegou a referência, a Rosemary do bebê, do antológico filme do Polanski). Já Eva Green, como ela foi sensacional! Sua interpretação foi muito deliciosa! Eu sou até suspeito para dizer, pois aprecio demais o seu misto de grande beleza e elegância infinita. Mas aqui Green acrescentou uma psicopatia perturbadora! A mulher subiu nas tamancas! Ela começou como a fã aduladora, mas elegantemente respeitosa. Num segundo estágio, tornou-se uma confidente e uma amiga bem próxima, digna de dar conselhos pessoais. Mais tarde, um leve ciúme, que paulatinamente se torna tenso e pesado, culminando com explosões de violência perturbadoras. Podemos até dizer que Green “polanskou” geral.
E me arrisco até a dizer que aqui a atuação de Green lembra (guardadas as suas devidas proporções, é óbvio!) Catherine Deneuve em “Repulsa ao Sexo”, outro filme de Polanski, onde a então jovem atriz conciliou enormemente, inocência, paranoia e venalidade, com direito a muita escatologia. Green, assim como Deneuve, conseguem ir além de seus status de musas e reúnem, com muita maestria, e em uma só personagem cada uma, características muito díspares. No caso de “Baseado em Fatos Reais”, só faltou a bateria sixty muito nervosa de “Repulsa ao Sexo”, que aumentava em muito a dramaticidade das ações tresloucadas de Deneuve. Enfim, foi uma atuação antológica de Green.
Dessa forma, “Baseado em Fatos Reais” é mais um bom filme de Polanski, com todas as características e intensidades do diretor. Um suspense perturbador, que ataca o psicológico dos personagens e do espectador, levando à paranoia e até à escatologia. Um filme do qual você não sai indiferente e que tem um bom plot twist ao seu final. Um programa imperdível não somente para os fãs de Polanski como para os fãs do bom cinema em si.