Um filme de impacto passou nas telonas. “Colheita Amarga”, de George Mendeluk, aborda uma tragédia humanitária conhecida como Holomodor, uma política genocida imposta por Stalin contra a Ucrânia, que consistia simplesmente em deixar as pessoas daquele país sem comida até morrerem de inanição. Tal ato de extermínio eliminou de 7 a 10 milhões de pessoas, sendo revelada somente após o fim da União Soviética em 1991, e mais tarde, reconhecida até pela própria Rússia. Antes de analisarmos o filme, fica aqui o alerta de que teremos spoilers ao longo do artigo.
A história é focada em uma pequena vila no interior da Ucrânia, onde vive Yuri (interpretado por Max Irons), um jovem com alma de artista que adora pintar e que tem em sua família um antepassado guerreiro que ele considera um herói nacional. Yuri é apaixonado pela jovem Natalka (interpretada por Samantha Barks), uma antiga amiguinha de infância. Tudo é muito idílico, romântico e prosaico até o dia em que chega a notícia de que o Czar foi assassinado, um sinal de tempos mais livres para o seu país.
Entretanto, alguns anos depois, os bolcheviques dos soviets começam a chegar e a impor a pedagogia estatizante do partido comunista para aqueles pequenos fazendeiros do interior, além de um ateísmo forçado. A onda de violência provocada pelo povo invasor faz com que Yuri vá tentar a sorte na capital, Kiev, para depois levar sua esposa para lá. Só que a repressão stalinista piorava tudo à sua volta. Yuri vai então ter que lutar contra todas essas situações adversas para ter a sua amada a seu lado novamente.
Esse é um filme de denúncia, onde o cinema cumpre sua função social, como tantos outros já mencionados por aqui. Esse é um genocídio pouco falado e que deve ser divulgado aos quatro ventos para que nunca mais aconteça. O filme também não deixa de ser uma peça de propaganda do Ocidente (a produção é canadense) contra o regime socialista, demonizando ao extremo todos os seus membros, embora, por incrível que pareça, vejamos algumas relativizações. Chama muito a atenção as atitudes do personagem Sergei (interpretado por Tamer Hassan), o líder dos bolcheviques que espezinha ao máximo a comunidade de Yuri, sendo o verdadeiro cão chupando manga, mas que faz pequenas e rápidas concessões. Ou um soldado soviético que não aceita as agruras que Stalin pratica contra os agricultores ucranianos e se volta contra seu próprio exército. Mas temos principalmente o personagem Mikola (interpretado por Aneurin Barnard), um amigo de infância de Yuri e que se torna um idealista que acredita que pode conciliar o nacionalismo ucraniano com as premissas socialistas. Creio que tal relativização serviu para amenizar um pouco a extrema e negativa carga nas tintas com que os socialistas foram pintados nesse filme, praticamente nazificando-os, o que poderia dar a impressão de a coisa (a virulência dos soviéticos) não ser tão exacerbada assim, dada a forma muito exagerada da crueldade exposta no filme. Não é à toa que, ao final da película, foram exibidos muitos dados reais do Holomodor em si, para dar mais legitimidade às cenas de extrema e injustificada violência do filme.
É claro que a película apresentou alguns elementos dramáticos que davam um sabor especial a essa história baseada em fatos reais. A história de amor, a reação heroica dos ucranianos ao invasor, com direito a morte do vilão e atos heroicos do mocinho, etc., ou seja, uma tentativa de se encaixar um happy end ou um arremedo dele, já que tivemos um desfecho meio que aberto, o que deu uma certa elegância a uma película cheia de lances espetaculares e um pouco exagerados.
Só cabe dizer mais um pequeno detalhe: o filme tem uma cereja bem vistosa no bolo, que é a participação de Terence Stamp como o avô de Yuri, Ivan, onde tivemos uma interpretação bem sóbria e austera, dando muita elegância ao personagem.
Assim, “Colheita Amarga” é um filme importante, pois denuncia um genocídio. O único problema foi colocar toda uma carga de maldade muito excessiva nos soviéticos. Não que eles não tenham sido, mas tais exageros e violências gratuitas podem deslegitimar essa construção que se pretende fazer do Holomodor. Provavelmente, veio dessa preocupação a leve relativização da figura do invasor soviético e dos ideólogos do socialismo. De qualquer forma, é um filme atraente e até esteticamente interessante, por apresentar uma boa fotografia, sobretudo do casal protagonista e dos dias idílicos pré-stalinistas na vila ucraniana.