A Caixa Cultural organizou uma mostra intitulada “Nouvelle Vague Soviética”, que mostrou alguma coisa da produção do cinema da União Soviética pós Stalin. Foram vinte e um filmes exibidos, com direito a palestras e debates, além de um prolífico catálogo cheio de artigos e de entrevistas. Foi uma excelente mostra que durou duas semanas e a Batata Espacial esteve lá vendo alguns filmes. Faremos aqui a análise de alguns deles. Hoje vamos falar de “O Primeiro Professor”, de Andrei Konchalovsky. Essa película de 1965 e duração de 102 minutos, fala de um professor do Quirguistão, filiado ao Partido Comunista, e sua saga empreendida para abrir uma escola numa comunidade muçulmana no interior do país. O mestre é sistematicamente ridicularizado pela comunidade, mas não desiste na sua tarefa de levar a educação e a cartilha do Partido Comunista para as crianças. Só que muitos problemas e atritos aconteceriam nessa empreitada, levando a situações extremas.
Esse é um filme que mais uma vez aborda a velha questão da relação entre a tradição e a modernidade. Aqui o moderno é a palavra do Partido, a alfabetização, a matemática, a chance de simplesmente ter luz elétrica e de se falar ao telefone. E a tradição está na religião islâmica e suas práticas onde, em tempos mais antigos, as meninas eram “casadas” pelos seus pais, de acordo com as conveniências. No meio de tudo isso, uma comunidade submissa a um fazendeiro local que a explora impiedosamente. O professor será uma espécie de paladino socialista da liberdade e justiça, mas é fortemente rechaçado pela comunidade, que quer seguir firme em suas tradições e que teme a ação dos mais ricos contra ela. Tudo isso vai gerar uma violenta situação de desgraça e conflito, onde a comunidade culpará o professor de todas as coisas ruins que se abaterão sobre ela, mesmo que o docente não tivesse culpa de nada.
E a reação do professor nem sempre foi das melhores, onde ele ignorava a cultura local em sua missão de levar, a qualquer custo, a educação e a aprendizagem para lá. Mesmo com todo esse conflito latente, o filme não optou por uma relativização e tomou partido da cartilha da modernização, com o professor destruindo o maior símbolo de tradição, uma árvore mantida com afinco por gerações nas estepes, para usar sua madeira para construir uma escola, símbolo da modernidade, e destruída por um incêndio provocado pelo fazendeiro local, lembrando sempre que a escola funcionava num estábulo com galinhas no meio das aulas, sendo ela uma espécie de símbolo contra o descaso geral da comunidade com a educação, embora o professor tenha tido uma resposta muito boa das crianças à sua proposta, não sem antes passar por alguns percalços (se me permitirem uma piada docente, é que ele não tinha feito o planejamento).
Assim, “O Primeiro Professor” é um curioso filme dessa mostra da Nouvelle Vague Soviética, que mais uma vez aborda a questão da tradição e da modernidade, mas sem relativizar a discussão. Aqui, o moderno é visto de forma virtuosa e a tradição é vista de forma negativa, criando um discurso um tanto maniqueísta. Ainda assim, o filme vale como uma interessante reflexão sobre esses dois pólos.