Vamos hoje continuar a falar das impressões de “Han Solo: Uma História Star Wars”.
O filme dá sequência, avançando três anos no tempo e mostrando Han num cenário de batalha, com cenas de guerra e uma vestimenta toda inspirada na Segunda Guerra Mundial, o que deu um tom de veracidade à película. Nada de stormtroopers branquinhos e assépticos. A gente via uma guerra suja mesmo, no meio do barro e com pessoas sendo pulverizadas e mortas de forma implacável. Nós víamos inclusive soldados imperiais andando até dentro de trincheiras, ao bom estilo da Primeira Guerra Mundial. Confesso que a gente se lembra um pouco de Rogue One nesse pequeno momento, o que é um grande trunfo para o filme. Vai ser nesse ambiente altamente caótico que Han conhecerá Thomas Beckett (interpretado por Woody Harrelson), um exímio pistoleiro do Exército Imperial que tem toda uma série de trejeitos que Han terá mais tarde nos filmes clássicos. Nosso protagonista quer se aliar a Beckett, mas este o rechaça, pois Han nota que Beckett não é um militar, mas sim uma espécie de mercenário, algo que fascina Han. Só que o aspirante a contrabandista se dá mal ao tentar chantagear Beckett e acaba preso com uma fera que não come há três dias.
Tal fera não coloca medo no público, pois todo mundo já sabe quem é: Chewbacca (interpretado agora pelo jogador de basquete finlandês Joonas Suotamo). Aqui, aparece outro lance que despertou uma certa polêmica: Han falando a língua de Chewbacca para planejar uma fuga. Alguns acharam a coisa um pouco boba. Vou novamente em defesa do filme e digo que achei tudo muito divertido, bem ao espírito dos filmes mais antigos que tinham lances muito cômicos, daqueles de despertar gargalhadas, muito bem encaixados na ação. O Han falando o idioma de Chewie também serviu para dar uma química imediata à dupla que é antológica no Universo de “Guerra nas Estrelas”.
Conseguindo levar a fuga adiante, Han avista a nave de Beckett e implora para que os dois sejam levados, o que acaba acontecendo. Han e Chewie, então, passam a fazer parte do grupo. Há um momento aqui que tem que ser destacado, quando todos estão em volta de uma fogueira conversando uns com os outros e se conhecendo, sendo um bom momento de construção dos personagens.
O grupo terá uma grande operação a fazer: roubar um vagão inteiro de coaxium. Essa será a segunda sequência de ação do filme, onde há a tentativa de roubo do vagão, a disputa com os mercenários liderados pelo pirata Enfys Nest (os piratas são mais uma referência ao Universo Expandido) e a subsequente explosão do vagão quando este colide com uma montanha. A ação acabou por desmantelar o grupo de Beckett, sobrando apenas Solo e Chewie com ele. Mas esse não era o problema maior: a carga de coaxium era para o líder do Sindicato do Crime Aurora Escarlate, Dryden Vos (interpretado pelo “Visão” Paul Bettany). Os sindicatos do crime são mais outra referência ao Universo Expandido. Vos é, simultaneamente, paternalista e cruel, e não aceita fracassos. Beckett, Solo e Chewie terão que se explicar com Vos em seu gigantesco Iate e lá Solo reencontra Qi’ra, agora como subordinada de Vos.
O grupo traça um plano para roubar coaxium bruto, um material extremamente volátil e perigoso, que vai precisar ser refinado rapidamente para não explodir. O problema é que esse coaxium bruto está num planeta na rota de Kessel (touché!), que passa dentro de uma nebulosa com um poço gravitacional muito intenso (mais conhecido como buraco negro em nossa galáxia). Será necessária uma nave cargueiro bem rápida para a missão. E aí, Qi’ra tem a pessoa certa para isso. Isso mesmo, caro leitor: Lando Calrissian (ou melhor, Landonis; pois é, seu nome original é revelado), um personagem também muito interessante e muito bem trabalhado aqui, a começar pelas referências que Qi’ra nos fornece: uma pessoa elegante, de bom gosto. Há o famoso jogo de sabacc (o jogo de sabacc é mais uma referência ao Universo Expandido) entre Solo e Lando (interpretado por Donald Glover que, ao contrário do que muita gente tem pensado por aí, não tem rigorosamente nada a ver com o Danny Glover), e, diferente do que imaginávamos, foi Lando quem tomou a nave de Solo, com o manjado truque de carta na manga.
De qualquer forma, é aí que Qi’ra e Beckett aparecem e conseguem convencer Lando a usar a Millenium Falcon na missão do roubo de coaxium por uma bagatela de 25% dos lucros. Aqui, surge um personagem bem interessante, até seguindo a linha de robôs interessantes de “Guerra nas Estrelas”: L3-37, uma robô “fêmea” (interpretada por Phoebe Waller-Bridge) será a co-piloto de Lando, tendo duas características especiais: ela tem um mapa de navegação da galáxia muito completo (o que impede de sua memória ser apagada) e ela é uma ferrenha defensora dos direitos dos robôs a terem seu próprio livre arbítrio e a não se submeter à autoridade de seres vivos. Essa segunda característica é muito marcante, pois ela nos remete imediatamente a Isaac Asimov e às suas histórias de robôs lá de meados das décadas de 40 e 50. Em algumas histórias de Asimov, os robôs eram tratados com muita discriminação pelos seres humanos, de uma forma parecida com a que brancos tratam determinados grupos étnicos como os negros ou asiáticos.
Essa visão preconceituosa do robô como elemento subalterno se repete em “Guerra nas Estrelas”, embora aqui os robôs tenham bem mais personalidade. Se C3-PO aparece como uma figura submissa, parecendo ser controlado pelas três leis da robótica de Asimov e é praticamente espezinhado por figuras como o próprio Han Solo, R2-D2 é muito mais atrevido e ativo, salvando o dia (e a vida) dos humanos em várias situações. Sua personalidade só não é mais atrevida e forte porque ele fala através de uma sequência de bips incompreensíveis. O robô que exibirá essa linha totalmente atrevida será o K2SO de “Rogue One”, onde a gente compreende muito bem o que ele fala e a sua personalidade, sem falar que seu carisma dava a nós uma empatia imediata com ele (muita gente por aí diz que a “morte” mais sentida de “Rogue One” foi justamente a de K2SO). Pois bem, L3-37 consegue ir além: ela não somente tem personalidade forte e não tolera o preconceito dos humanos, mas também se torna uma espécie de ativista que luta pelos direitos de seus pares. E aí, mais uma vez, a gente se curva à importância cultural de “Guerra nas Estrelas”: se Asimov canta a pedra lá nas décadas de 40 e 50, falando de um preconceito de humanos contra robôs, “Guerra nas Estrelas” desenvolve o tema através de personagens robôs que, gradativamente vão enfrentando essa empáfia humana e se afirmam, mostrando muito carisma e encantando o público, numa mostra de que a saga cada vez mais deixa de ser uma fantasia espacial infantil blockbuster para se tornar algo mais maduro, capaz de abordar temas altamente reflexivos.
No próximo artigo, vamos falar do roubo propriamente dito do coaxium e da famosa corrida de Kessel. Até lá!