Dando sequência às análises da mostra “Nouvelle Vague Soviética”, na Caixa Cultural no Rio de Janeiro, falemos hoje do ótimo filme “Quando Voam as Cegonhas”. Produzido em 1957, com duração de 97 minutos e dirigido por Mikhail Kalatozov. Esse é um dos melhores filmes da mostra, abordando um tema já muito conhecido aqui no cinema ocidental: a Segunda Guerra Mundial, tema esse que pode, com toda justiça, ser também abordado pelo cinema soviético, já que a Rússia foi o país que mais perdeu vidas nas duas guerras mundiais. Na Primeira Guerra Mundial, foram perdidas de nove a treze milhões de pessoas, sendo que três milhões delas foram russas. Já na Segunda Guerra Mundial, foram perdidas de cinquenta e cinco a sessenta milhões de pessoas, sendo que vinte e cinco milhões foram russas.
Mas, do que se trata a história? Vemos aqui um casal fortemente apaixonado, Boris (interpretado pelo ótimo Aleksey Batalov, que também está em outro filme da mostra, “Nove Dias de um Ano”), e Veronika (interpretada por Tatyana Samoylova). Esse casal será separado pela guerra, com Boris se alistando voluntariamente para o front.
O problema é que, por uma série de desencontros, eles não conseguem se despedir. Com o início da guerra, a casa de Veronika é bombardeada e ela vai morar na casa de Boris. Só que um primo do rapaz pega Veronika à força durante outro bombardeio. Os dois acabam se casando, o que provoca um tremendo mal estar entre Veronika e a família de Boris. A própria moça se culpa por tudo o que aconteceu e não consegue viver bem com toda essa dor. E aí fica a expectativa do que se vai fazer quando Boris voltar do front. Se ele voltar… Vamos precisar lançar mão dos spoilers para podermos analisar melhor o filme…
Essa é uma película temática já um pouco batida (a questão dos relacionamentos que se desfazem em virtude da separação promovida pela guerra) mas, ainda assim, muito complexa, pois a situação deve ser analisada de todos os ângulos.
O senso comum machista joga toda a culpa pelo imbróglio no colo da mulher, como sempre ocorre, mas se analisarmos a situação de Veronika, além de ela não ter certeza de que Boris retornaria, ela ainda teve uma relação não consentida com o primo de Boris, que a pegou à força. Ou seja, para esconder a vergonha do estupro e salvar sua honra, ela preferiu assumir uma relação com o primo e fazer o casamento, sendo igualmente rechaçada pela família. Ou seja, ela estava entre a cruz e a caldeirinha. Só é interessante notar como certos valores ditos mais tradicionais e burgueses aparecem nessa sociedade socialista, numa prova de que algumas permanências são vistas na sociedade revolucionária.
De qualquer forma, o mau caratismo do primo se revelou e Veronika se livrou dele. A moça, que esperou por seu Boris por toda a guerra acabou tendo confirmada, no dia da chegada do vitorioso Exército Vermelho, a notícia da morte de Boris no front. E aí, tivemos talvez um dos melhores desfechos da História do Cinema, onde Veronika, não sabendo a quem distribuir as flores destinadas a Boris, recebe a sugestão de distribuí-las a quem ela acha que merece, com a moça dando as flores para a multidão que recebia os soldados, ou seja, o povo russo.
Tal desfecho arrancou aplausos da plateia que lotava a sala do Cinema 2 da Caixa Cultural. Vale a pena ressaltar aqui que a mostra tem presenciado uma boa presença de público, sendo isso uma grata surpresa e, talvez, um sinal dos tempos turbulentos que temos vivido.
Assim, “Quando Voam as Cegonhas” é um daqueles filmes inesquecíveis que tocam fundo na nossa alma. Um filme com bons atores, linda fotografia, movimentos frenéticos de câmara meticulosamente calculados nas cenas de desespero de Veronika, e uma história instigante e reflexiva, com um lindíssimo desfecho. Vale a pena procurar por esse filme. Fiquem agora com o magnífico desfecho desse filme, legendado em inglês.