Ainda dentro das análises dos filmes da mostra “Nouvelle Vague Soviética”, exibida na Caixa Cultural do Rio de Janeiro em fins de maio e início de junho, vamos falar hoje de “A Comissária”, de Aleksandr Askoldov. Essa película, realizada em 1967 e finalizada em 1988, com 110 minutos, tem uma grande curiosidade: ela trabalha em sua temática a cultura judaica. Isso é de se chamar a atenção, já que os judeus também foram muito perseguidos pelo stalinismo.
A história da película tem como protagonista a comissária Klavdia Vavilova (interpretada por Nonna Mordyukova), que trata com mão de ferro uma comunidade local durante a guerra civil entre russos brancos e russos vermelhos, que durou de 1918 a 1921. Como já foi dito na análise do filme “O Início De Uma Era Desconhecida”, após a Revolução Socialista de Outubro de 1917 e da subida dos bolcheviques ao poder (os russos vermelhos), os russos adeptos do capitalismo e do Czar deposto Nicolau II (ou seja, os russos brancos) se uniram a uma força estrangeira de quinze países capitalistas que temiam que o socialismo avançasse entre seus trabalhadores e ameaçasse a estabilidade de seus governos, deflagrando a Guerra Civil de três anos contra a Rússia, terminando com a vitória dos russos vermelhos mas mergulhando o país numa profunda crise econômica.
Houve até casos de canibalismo em virtude da falta de comida, algo com o qual os países capitalistas fizeram troça, dizendo que “comunista come criancinha”. A situação piorou mais ainda depois que os países capitalistas, derrotados pela guerra, fizeram um bloqueio econômico à Rússia que teve o nome de péssimo gosto de “cordão sanitário”.
Voltando ao filme após esse parênteses histórico, nossa comissária, em virtude da situação de guerra, tinha uma postura muito firme com relação a quem não levava a guerra à sério. Só que Klavdia se descobriu grávida, tendo que se afastar do serviço militar e se refugiar numa casa de uma família judia, cujo chefe era um alegre funileiro de nome Yefim (interpretado pelo bom ator Rolan Bykov), uma esposa muito meiga e solícita chamada Maria (interpretada pela bela Raisa Nedashkovskaya) e 987 filhos. A rígida militar vai, a princípio, estranhar todo aquele novo e inusitado ambiente mas, aos poucos, vai se acostumando com ele, principalmente depois que Maria descobre a sua gravidez e começa a tratar a comissária com todos os cuidados que a situação exige.
Aquele não tão pequeno núcleo familiar vai servir como uma espécie de ilha isolada dos horrores e agruras da guerra. Mas esse núcleo seria invadido, cedo ou tarde, pela guerra civil. E a comissária precisaria tomar uma decisão: mãe ou soldado? O tom de propaganda da película já dá uma ideia da decisão da comissária, ainda mais em tempos de guerra…
Como foi dito acima, esse é um filme que exalta o povo judeu e denuncia as perseguições. Ficou a impressão aqui de “mea culpa” pós-stalinista, onde o povo judeu foi retratado de forma extremamente gentil, doce e simples.
Outra coisa que muito chamou a atenção foi um paralelo muito bem construído entre o sofrimento provocado pelas dores do parto e o sofrimento provocado pela guerra. Enquanto Klavdia dava a luz a seu filho, imagens em flashback traziam os sofrimentos que a comissária enfrentou durante a guerra civil, gerando um interessante e bem organizado caleidoscópio de imagens.
Assim, “A Comissária” é mais um interessante filme da mostra “Nouvelle Vague Soviética” na Caixa Cultural do Rio de Janeiro. Um filme que tem a grande virtude de exaltar o judaísmo, depois de anos de perseguição stalinista. Um filme que novamente exalta o patriotismo do povo soviético em anos de guerra. E um filme que mostra uma boa montagem de imagens, relacionando dois sofrimentos: o da guerra e o do parto. A Batata Espacial conseguiu o filme na íntegra, porém sem legendas. Fica o filme aqui para que possa se ter uma ideia dele…
https://www.youtube.com/watch?v=LDemFDzX-u0