E continuamos a dar sequência às análises dos filmes da Mostra “Nouvelle Vague Soviética”, na Caixa Cultural do Rio de Janeiro. Hoje vamos falar de “Vá e Veja”, um filme de Elem Klimov realizado em 1984 e de 142 minutos. Esse filme foi exibido no Brasil há muitos anos mas não tive a oportunidade, na época, de assisti-lo (não fui e não vi). De qualquer forma, ficou na minha cabeça o cartaz do filme, com um menino de semblante petrificado, como se estivesse muito horrorizado. Ao ver os filmes disponíveis no folder da mostra, lá estava “Vá e Veja”. E, dessa vez, fui e vi.
E o que vi? A expressão fantasmagórica do garoto se justificava em toda a sua plenitude. O filme se passa na Bielorrússia (hoje Belarus) de 1943, ou seja, em plena ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial (isso mesmo, mais um filme que aborda a Segunda Guerra, não sendo somente um privilégio do Ocidente em produzir películas com essa temática; há, na mostra, vários filmes soviéticos que abordam o conflito). Temos aqui o menino Florya Gaishun (interpretado por Aleksey Kravchenko), que brincava com um amigo desenterrando objetos de covas rasas de soldados que eram nazistas.
Um belo dia, guerrilheiros Partisans levam o menino à força de sua casa e contra a vontade da mãe para lutar no front. O menino vai cheio de vontade para a guerra, mas acaba ficando no acampamento, pois teve que dar seus sapatos novos para um soldado que tinha seu calçado completamente deteriorado. Ele conhece Glasha (interpretada pela bela Olga Mironova), uma moça que quer amar e ter filhos. Os dois começam uma amizade meio idílica, meio lúdica, meio infantil.
Mas isso é fortemente impedido por um bombardeio nazista que deixa Florya meio surdo. Passado o trauma, o garoto quer levar a menina para conhecer sua casa, mãe e irmãzinhas, mas os nazistas já haviam passado por lá e exterminado todo mundo, mergulhando o garoto num trauma ainda maior. Ele é convidado a participar do movimento guerrilheiro, que o coloca de vez em contato total com todos os horrores da guerra.
É um filme que tem como objetivo chocar o espectador, com closes da face do menino desfigurada pelo horror sendo usadas como vírgula. É particularmente muito traumática a sequência onde os nazistas dizimam uma cidadezinha inteira, cometendo as piores atrocidades (leia-se colocar toda a população da vila numa igreja e incinerá-la com explosivos, coquetéis molotov e lança-chamas, sendo todo esse massacre aplaudido pelos nazistas, ou mostrar uma menina levada à força para um caminhão cheio de soldados e depois a mostrando caminhando com a face toda arrebentada e as pernas ensanguentadas, resultado do estupro coletivo que sofreu).
São cenas profundamente repugnantes e revoltantes, mas absolutamente necessárias e uma prova concreta de que o cinema cumpre sua função social de denúncia aqui. E tal filme se faz amplamente indispensável hoje, onde temos tantos exemplos de ódio explícito contra o outro em nosso país. O filme ainda coloca um letreiro dizendo que tais atrocidades aconteceram em mais de seiscentas cidades na Bielorrússia na Segunda Guerra Mundial. Definitivamente é um filme de denúncia contra as atrocidades nazistas.
Foi marcante a atuação de Aleksey Kravchenko. Ele, que já devia estar na casa dos seus treze, quatorze anos, conseguia agir como uma criança frente aos traumas, chorando copiosamente e despertando pena no espectador. Mas seus grandes momentos foram, definitivamente, seus closes onde o menino se encontrava em verdadeiro estado de choque, tamanho o horror que ele presenciava. Esses closes serão inesquecíveis para sempre em toda a História do Cinema.
Assim, “Vá e Veja” é, acima de tudo, um filme fundamental. Um filme que deve ser muito exibido e divulgado por aí, principalmente num país como o nosso, onde a ignorância retumbante dá força para movimentos de ódio retornarem e provocarem muita desgraça entre nós. Uma obra-prima que foi aplaudida ao final da sessão.
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