Batata Movies (Especial Nouvelle Vague Soviética) – É Difícil Ser Um Deus. O Surreal Como Crítica.

Cartaz do Filme

Dando sequência a análise dos filmes da Mostra “Nouvelle Vague  Soviética”, realizada na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, falemos hoje do curioso “É Difícil Ser Um Deus”, realizado em 2013 por Aleksey German e que tem a duração de 177 minutos. Pode-se dizer que esse é um dos filmes mais loucos da Mostra e um dos de mais difícil realização.

Um cientista com ares de Deus…

A sinopse da história é bem simples. Há um planeta chamado Arkanar, cuja civilização ainda se encontra no período medieval. Trinta cientistas da Terra são enviados ao planeta para desenvolver a civilização de lá. Entretanto, a tarefa não vai ser simples, pois não se pode lançar mão do expediente da violência. O líder da missão, Don Rumata (interpretado por Leonid Yarmolnik) tenta salva intelectuais locais de punições e assume uma postura um tanto quanto divina, mesmo não podendo interferir profundamente naquela sociedade. Levanta-se a questão de o que um Deus pode fazer. Pouco a pouco, Rumata vai tomando posturas autoritárias que aniquilam aquela sociedade.

Planeta medieval…

É um filme um pouco difícil para o público acompanhar. O diretor Aleksey German optou por uma proposta altamente non sense e surrealista, por durante as quase três horas de filme, onde somente uma narração esporádica nos dava algum norte para acompanhar a história. Não é à toa que várias pessoas do público abandonaram a sala de projeção durante a exibição. O surreal era tão forte que tornou a película demasiado hermética. Isso realmente atrapalhou. Não que o surreal não devesse ser usado, ele é muito bem vindo, aliás. Entretanto, um pouco de estrutura narrativa mais tradicional ajudaria na compreensão do filme. De qualquer forma, o filme também tem suas virtudes. A mais interessante delas era a construção de vários planos longos, estrategicamente emendados para se dar a impressão de planos sequências. Víamos cenários totalmente caóticos, cheios de lama, sucata, interpretações de atores completamente surreais, mas dava para perceber como cada movimento, cada diálogo, cada posição de ator foi meticulosamente calculado e planejado da forma mais racional possível. Nós ficamos com a sensação de como tudo aquilo que vemos na tela deve ter sido de uma realização extremamente elaborada e complexa. Ou seja, é o surreal sendo arquitetado previamente de forma extremamente racional, por mais paradoxal que isso possa parecer.

Narrativa excessivamente surreal…

Outra coisa que fica muito clara é a crítica aos dias do regime soviético, materializada na figura de Rumata. O cientista que tinha a missão de levar progresso e estabilidade para o planeta atrasado, acaba cometendo as maiores violências e atrocidades, típicas dos regimes autoritários. O homem corta orelhas, massacra estudantes, comete as maiores arbitrariedades, e faz tudo isso com a chancela de que é uma figura meio divina, como se ele justificasse seus atos com esse argumento. Mas em poucos momentos de lucidez, ele implora a Deus que o detenha, veja só. Assim, Rumata pode ser visto como o protótipo do estado autoritário que tanto assolou a Rússia em tempos passados.

Opressão e violência…

No mais, o filme assume uma postura um tanto agressiva com o público, trazendo imagens muito desagradáveis que beiram a escatologia: torturas, maus tratos a animais, corpos em decomposição, falas e atitudes de baixo calão. Fica bem clara aqui a intenção de agredir o espectador, para realçar como o autoritarismo pode levar a situações repugnantes.

Assim, “É Difícil Ser Um Deus” é mais um interessante filme da Mostra “Nouvelle Vague Soviética”. Mesmo sendo hermética e demasiado surreal, a película é muito interessante do ponto de vista técnico por ter sido de difícil realização. Além disso, é um filme que denuncia de forma agressiva as mazelas de um regime autoritário, já cumprindo sua função social de denúncia. Agora tenha a oportunidade de assistir abaixo ao filme na íntegra, com legendas em português.

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