Uma curiosa produção franco-canadense está em nossas telonas. “Nos Vemos no Paraíso” consegue misturar uma gama de gêneros: filme de guerra, uma leve comédia, um drama psicológico, um toque terno de lúdico. O resultado é um ótimo filme que consegue prender a atenção do espectador do início ao fim. Vamos analisá-lo aqui, lembrando sempre que precisamos lançar mão de alguns spoilers.
A película começa no dia do armistício da Primeira Guerra Mundial. Os soldados franceses nas trincheiras, assim como os alemães, só esperam pela confirmação do fim das hostilidades. Mas o temível tenente Pradelle (interpretado por Laurent Lafitte), sedento por sangue, manda dois soldados numa missão de reconhecimento em pleno dia e ainda os mata pelas costas para parecer que foram os alemães que os alvejaram, o que detonou uma batalha sangrenta. Tudo isso foi visto pelo soldado Albert Maillard (interpretado por Albert Dupontel), que quase é morto por Pradelle, não fosse o fato de que ele caiu num buraco provocado por uma explosão de bomba e acabou soterrado.
Mas Maillard foi salvo por Edouard Péricourt (interpretado por Nahuel Pérez Biscayart, do ótimo “120 Batimentos por Minuto”, já resenhado aqui). Péricourt, entretanto, é atingindo por uma bomba que lhe dilacera o rosto abaixo do nariz. Maillard leva o companheiro ferido para o hospital e depois troca sua identidade com a de um soldado morto, pois Péricourt não quer mais voltar à casa do pai, um empresário muito ganancioso, Marcel Péricourt (interpretado pelo ótimo Niels Arestrup). Os dois amigos passam a viver juntos depois da guerra e Maillard acaba conhecendo os familiares de Péricourt, descobrindo que Pradelle é marido da irmã de Edouard e que ele ganhava dinheiro com negócios escusos relacionados a cemitérios de soldados mortos na guerra (daí sua sede de sangue no front). A coisa vai se complicar quando Marcel vai começar um concurso para fazer um monumento aos soldados mortos na Guerra e Edouard irá participar mandando seus desenhos, com apenas o intuito de ganhar dinheiro e não fazer monumento nenhum.
Como foi dito acima, o filme consegue satisfazer os mais variados gostos. As cenas da Primeira Guerra Mundial são de um potente realismo, algo admirável, já que vemos mais filmes sobre a Segunda Guerra Mundial do que a Primeira. Destaque para um travelling acompanhando um cachorro correndo por uma trincheira francesa cheia de soldados, o que ficou muito bom. O drama de Edouard e seu rosto deformado também merece destaque, pois concilia um forte drama psicológico com algo bastante lúdico. É que Edouard adorava desenhar, logo se antagonizando com o pai, que pensava somente em dinheiro e não suportava a cabeça de artista do filho. A ida à Guerra, por parte de Edouard, foi para libertá-lo desse mundo imposto pelo pai. E agora, ele não tinha mais uma face inteira para mostrar. O jovem, então, começará a confeccionar máscaras que serão verdadeiras obras de arte modernas, antenadas com os movimentos artísticos do período do filme, inclusive a arte abstrata.
E são deliciosos os momentos em que ele brinca com suas máscaras na companhia da órfã Louise (interpretada pela fofíssima Héloïse Balster, uma ótima aquisição ao filme), sendo o ponto lúdico da coisa. Nahuel Pérez Biscayart, na pele de Edouard, teve uma interpretação ímpar, até porque a deformidade de seu personagem o obrigava a atuar dando gemidos graves por debaixo da máscara, obstáculos que já desfavorecem a interpretação, mas o ator conseguia dar muita vivacidade ao personagem mesmo assim. Laurent Lafitte, na pele do vilão Pradelle, consegue convencer sem ser caricato, embora faça um antagonista relativamente banal. Niels Arestup mostra novamente seu grande talento na pele de um empresário inescrupuloso que só pensa em dinheiro. Para quem consegue ir de um oficial nazista clássico até um vovô bonzinho de fazenda do interior, ele tirou de letra a sua interpretação nesse filme.
Assim, “Nos Vemos no Paraíso” é uma excelente co-produção franco-canadense que traz uma bela história onde vários gêneros são mesclados com maestria e prendem a atenção do espectador por durante toda a exibição. É um filme de guerra, e um lúdico filme de máscaras, onde a alma de um artista supera um trauma e uma deformidade. Vale muito a pena dar uma conferida nessa ótima película.