Uma sequência foi exibida em nossas telonas; “Sicario, Dia do Soldado”, dá continuidade a “Sicario, Terra de Ninguém” e segue a mesma filosofia do primeiro filme, onde agentes federais dos Estados Unidos fazem “serviços sujos” para combater o narcotráfico mexicano. O primeiro filme mostrou uma sinistra e excessiva carga de violência, disputada com afinco por protagonistas e antagonistas que mais pareciam farinha do mesmo saco do que qualquer outra coisa no que tange a serem pessoas implacáveis. Entretanto, essa sequência sofre a maldição, muitas vezes vista em outros filmes, do fato de ser pior do que o primeiro filme, principalmente na sua principal característica: a violência explícita. Para entendermos um pouco melhor o que aconteceu, vamos precisar de alguns spoilers.
Façamos uma breve sinopse. O agente federal Matt Graver (interpretado pelo “Thanos” Josh Brolin) é chamado pelo secretário de defesa para lidar com mais uma ameaça aos Estados Unidos: os atentados terroristas cometidos pelo Estado Islâmico. Após algumas investigações (e ameaças de torturas a prisioneiros de origem islâmica, assim como assassinatos de seus entes queridos), descobriu-se que são os narcotraficantes mexicanos que estão promovendo a vinda dos terroristas para solo americano. Dentro da mentalidade americana dos homens da defesa, só há um jeito de se lidar com a situação: colocar os narcotraficantes em guerra. Para isso, a filha de um deles será sequestrada. É claro que Graver contará com a ajuda do obscuro e misterioso Alejandro (interpretado por Benicio Del Toro), um assassino frio e calculista. O problema é que o plano não dará tão certo. E aí, o governo obrigará Graver a tomar medidas, digamos, muito práticas.
Por que esse filme perde em qualidade para o primeiro Sicario? Em primeiro lugar, há uma menor violência, até porque já esperamos um pouco o que vai acontecer, o que não ocorria na primeira película, onde a inesperada violência foi muito arrebatadora. Mesmo assim, as cenas de violência ainda vieram em menor número aqui na sequência, o que atrapalhou um pouco. Em segundo lugar, o filme é vendido com uma temática de combate ao terrorismo, que acaba atuando apenas como uma fachada, sendo que a película prefere revisitar o tema do narcotráfico mexicano. Ficou com cara de propaganda enganosa a coisa. Esperava-se mais terroristas muçulmanos fanáticos e cruéis trocando tiros com os federais ensandecidos.
Num ponto, o filme acertou mais uma vez: o uso de práticas ilícitas para caçar inimigos dos americanos. O interessante aqui é que, tal prática, embora seja vista como necessária., não é exatamente vista como virtuosa, onde os próprios personagens protagonistas são vistos dentro de um clima altamente sombrio, muito realçado pela trilha sonora.
Ou, resumindo: nossos “heróis” não são exatamente caras bonzinhos, muito pelo contrário. Curioso aqui é que, ao contrário do primeiro filme, onde eles tinham carta branca para explodir completamente tudo o que vissem pela frente no país vizinho (no caso, o México), violando alegremente as leis e a soberania, nesta sequência Graver toma uns pitos do FBI, pois ele matou “só” 24 policiais mexicanos, todos ligados ao traficante local e que abriram fogo contra sua equipe. Ou seja, vamos violar a soberania do México ma non troppo, botando algum freio na insanidade cowboy conservadora do primeiro filme.
De qualquer forma, apesar dos problemas, o filme ainda pôde produzir sequências bem dramáticas e angustiantes, sobretudo no que se refere ao personagem Alejandro, mas não vou mencioná-las aqui. Só digo que foi colocado, no desfecho, um gancho para uma continuação, algo bom a meu ver, pois esse Universo tão torto onde os procedimentos de “mocinhos” e “bandidos” muito se assemelham, pode ainda dar mais pano para a manga do que se pode imaginar.
Assim, se “Sicario, Dia do Soldado” não é exatamente uma boa continuação, ainda assim segue o ritmo e a temática do primeiro filme, onde se estabelece uma espécie de “vale tudo” para o combate ao narcotráfico, nem que direitos básicos sejam violados, indo bem ao estilo do pensamento conservador americano, embora a narrativa do filme deixe bem claro que isso não é visto como algo virtuoso, embora se insinue que seja necessário. Entretanto, toda essa violação começa a ser mais questionada e relativizada nessa sequência, mesmo que seja por um breve momento. No mais, o gancho para uma sequência é um bom sinal de que há uma disposição para ampliar a discussão do que se é apresentado no filme, ou seja, a violação dos direitos e uma truculência explícita usando como argumento o combate ao narcotráfico e ao terrorismo. Torçamos para que esse terceiro filme saia.