Um filme brasileiro muito curioso e experimental. “O Nó do Diabo” trabalha um gênero que não é muito visto em nosso cinema: o terror. E, ainda mais notável, o campo de atuação é um antigo engenho de açúcar. Ou seja, experimentou-se articular o gênero de terror com a História do Brasil. E o resultado? Podemos dizer que ficou muito bom.
São cinco histórias passadas em épocas diferentes (2018, 1987, 1921, 1871 e 1818), sempre no mesmo cenário da antiga fazenda. Na primeira história, o proprietário contrata um pistoleiro para evitar as inevitáveis invasões. Dada a grande quantidade de pessoas nas imediações e as várias pressões do fazendeiro, o pistoleiro pira na batatinha e se torna um serial killer.
Na segunda história, um casal pede emprego na fazenda e acaba tendo uma experiência macabra com os proprietários, que ainda usam os instrumentos de ferro que aprisionavam os escravos para tripudiar de seus empregados, além de abortá-los e decapitá-los. A terceira história (a melhor, na minha opinião) se passa com duas irmãs que ainda são tratadas como escravas, sendo uma delas chicoteada em pleno ano de 1921 e a “mais comportada” dotada de poderes misteriosos que matavam todos os algozes. A quarta história (a mais fraca a meu ver) é a de um escravo que foge de sua fazenda para enterrar seu filho e se embrenha numa região inóspita onde ele procura também por um quilombo e tem uma série de alucinações.
E a última história (que conta com a ilustre participação de Zezé Mota) fala de escravos que fugiram de um quilombo atacado por brancos e que se refugiam num cemitério de escravos. Lá, eles fazem cultos de magia negra que trazem os mortos de volta à vida para atacar os brancos (isso mesmo, caro leitor, escravos zumbis!!!).
A primeira coisa que chama a atenção e que a gente não se toca disso num primeiro momento é como a temática altamente autoritária e desumana da escravidão pode servir de inspiração para boas histórias de terror. Tais temáticas se casam perfeitamente, não somente pela violência e os instrumentos de aprisionamento e tortura, mas também pela magia negra dos escravos que leva a situações para lá de macabras. Ainda, tivemos cinco histórias relativamente boas, umas melhores, outras nem tanto, mas onde todas prendiam muito a atenção do espectador.
Com relação aos atores, além do óbvio destaque de Zezé Mota, que rouba a cena nos poucos momentos em que aparece mais ao final da película, não podemos nos esquecer de falar de Fernando Teixeira, que fez o fazendeiro de todas as cinco histórias de forma muito odiosa, tornando-se o antagonista por excelência da película. Sua face densamente barbada e suas falas altamente enérgicas e racistas incrementavam em muito o tom de terror das tramas.
Assim, “O Nó do Diabo” é uma tentativa bem sucedida de nosso cinema de mesclar o gênero de terror com a nossa realidade, usando parâmetros históricos da época da escravidão. Ao se trabalhar cinco histórias como variações sobre um mesmo tema, criou-se um tubo de ensaio rico em originalidade. Vale a pena curtir tal experiência.