Um bom documentário passou em nossas telonas. “Bergman, 100 Anos” se propõe a fazer uma trajetória fiel do grande cineasta sueco Ingmar Bergman, que faria cem anos no dia 14 de julho deste ano. A diretora Jane Magnusson decidiu enfatizar o documentário em torno do ano de 1957, quando Bergman levou a cabo seis produções, sendo que, além dos filmes, ele também montou peças de teatro e fez uma produção para a TV, que acabava de chegar ao seu país natal. Esse ano foi marcante, pois Bergman começaria a falar de si mesmo em seus filmes, algo que ele ainda não tinha conseguido fazer. Foi aí que sua carreira alavancou e ele se transformou no Mito do Cinema Mundial que é até hoje, sendo o único a receber “A Palma das Palmas” em Cannes. É importante mencionar aqui que, se você quer saber mais sobre Bergman, você precisa conhecê-lo através de seus filmes, pois sua autobiografia (“Lanterna Mágica”) é, segundo o documentário, cheia de ideias fantasiosas.
Para comprovar isso, foram exibidos no filme trechos de uma entrevista do irmão de Bergman, que tinha um relacionamento muito difícil com ele, e que foi proibida de ser exibida pelo cineasta na época em que foi realizada. Dá para perceber, pelo depoimento do irmão, como o relacionamento dos dois era tenso. Aliás, já se nota isso na própria autobiografia, onde Bergman fala até da vontade de matar o irmão. Pegando o gancho, o diretor era realmente uma pessoa de trato difícil. E o documentário não teve o menor receio em abordar essa questão. Para isso, foram usados muitos depoimentos de pessoas próximas a ele e imagens de making of de seus filmes, onde ele tratava as pessoas com muita rispidez.
E o pessoal ficava quietinho, quietinho, pois ele virara uma espécie de instituição com todo o reconhecimento internacional e seus prêmios. No tocante à vida privada, a coisa foi também turbulenta: ele casou-se várias vezes (fruto de seu passado católico, segundo o irmão) e teve vários filhos, mas nunca se dedicou a qualquer família que montou, por se dedicar integral e compulsivamente ao seu ofício.
Obviamente, vários de seus filmes foram apresentados e discutidos. E aí tivemos os momentos mais deliciosos do documentário. Fala-se de “Sétimo Selo”, “Morangos Silvestres”, “Persona”, “Gritos e Sussurros”, “Sonata de Outono” (onde ele trabalhou com Ingrid Bergman), “Fanny e Alexander” (onde um dos personagens, um padre, era uma versão para as telonas de seu pai, também um padre), e muitos outros filmes. Mesmo que o diretor fosse uma pessoa geniosa, ainda assim alguns atores que trabalharam com ele diziam que ele gostava muito de profissionais que dessem sugestões para engrandecer o trabalho, numa prova de que o diálogo era possível.
O documentário também se preocupou em dar voz ao próprio cineasta, e assim o filme é recheado de entrevistas do diretor, onde podemos vê-lo falar de seus filmes, de como ele avalia sua vida profissional e pessoal, etc. Dois momentos são marcantes: quando ele fala de sua paixão inicial com uma espécie de lanterna mágica que ele tinha na infância, cujos jogos de luz e sombras fizeram ele ter a certeza de que seria cineasta, e a forma afetiva como ele fez o que ele considera o mais lindo plano fechado de sua carreira em “Morangos Silvestres”. Ali, o duro cineasta sueco, a instituição intelectual de um país, amolece o seu coração e fala com muita ternura de momentos marcantes de sua vida.
Assim, “Bergman, 100 Anos” é um documentário imperdível sobre o grande cineasta sueco Ingmar Bergman. Todo fã de cinema de carteirinha deve ver essa obra-prima e, principalmente, deve ter esse documentário assim que ele sair em DVD ou blu-ray. Pois essa obra é aquela do tipo que devemos sempre ter perto da gente para revisitá-la sempre que pudermos. Não deixem de assisti-la.