Uma co-produção Uruguai/Argentina/Espanha. “Uma Noite de Doze Anos”, de Álvaro Brechner, é mais um filme que aborda o período das ditaduras militares latino-americanas, tendo agora como foco o que aconteceu no Uruguai. A temática é muito simples. Depois de uma tentativa de ataque do movimento Tupamaro, onde figuras importantes do governo uruguaio foram mortas, o exército partiu com tudo para cima dos guerrilheiros, desbaratando o movimento com mortes violentas e prisões.
Alguns desses presos ficaram na condição de reféns do Estado, sendo transferidos para lá e para cá, num período de doze anos (de 1973 a 1985). O filme mostra a trajetória de três desses reféns no cárcere: José Pepe Mujica (interpretado por Antonio de la Torre), que seria no futuro o presidente do Uruguai; Mauricio Rosencof (interpretado por Chino Darín, o filho de Ricardo Darín), jornalista e escritor; e Eleuterio Fernández Huidobro (interpretado por Alfonso Tort), ex-ministro da defesa. Por durante os 122 minutos da película, esses três prisioneiros são continuamente transferidos de um quartel para outro, ficando nas mais diferentes prisões, sempre em condições subumanas e sempre muito maltratados pelos militares.
Era clara a intenção dos militares de colocar os presos na situação mais degradante possível, com o objetivo de levá-los à loucura, o que quase aconteceu justamente com Pepe Mujica, não fosse a intervenção de sua mãe em uma das visitas, que chamou a atenção para o plano dos militares e pediu ao filho que resistisse a qualquer custo. A propósito da situação de quase loucura de Mujica, deve-se abrir aqui um pequeno parênteses: quando vemos um filme que fala dos horrores da ditadura militar, a gente espera uma narrativa um pouco mais precisa, no sentido de que relate de forma objetiva todos os horrores aos quais os presos políticos foram submetidos.
O filme até começa dessa forma, mas quando se chegou ao momento com Mujica, seus devaneios e delírios tornaram a narrativa surreal, o que tirou um pouco da objetividade de se contar a história. Pelo menos, tais delírios nos deram a oportunidade de resgatar algumas passagens anteriores em flash-back. Se bem que o flash-back também foi utilizado quando o personagem Eleuterio estava em foco na história. Já Rosencof teve uma característica interessante: por ser escritor, ele consegue ficar amigo de um sargento que quer escrever uma carta para a mulher pela qual ele está apaixonado e passa a ter (poucas) regalias.
De qualquer forma, o isolamento dos personagens é notório e eles ficam anos sem se ver, se comunicando volta e meia dando pequenos socos nas paredes da prisão quando estavam encarcerados perto uns dos outros. Creio que os socos reproduziam código morse.
Ao se mostrar a rotina dos presos, o espectador experimenta a rotina de também estar enclausurado e incomunicável, alheio às mudanças que ocorreram ao longo dos doze anos de prisão, salvo em situações muito peculiares, onde nossos três personagens tiveram pouquíssimo acesso ao mundo exterior e a o que acontecia. O próprio Mujica reclamava não ver uma mulher ou ler um livro há anos.
Outro detalhe deve ser mencionado aqui: a participação especial de César Troncoso, astro do cinema uruguaio, como o militar que mantém os protagonistas na prisão. Infelizmente, sua participação foi muito pouca, atuando mais como um coadjuvante de luxo, sempre nos lembrando de seu talento nas poucas vezes em que aparecia.
Assim, “Uma Noite Em Doze Anos” é mais um filme importantíssimo para os tempos nebulosos em que vivemos, devendo ser muito divulgado e, principalmente, visto. Ao se analisar a rotina de três presos políticos, o espectador se vê na situação claustrofóbica de ficar isolado do mundo e ser sujeito seguidamente a humilhações e violações de seus direitos humanos. Ou seja, o filme realmente te coloca na situação para você experimentá-la. Daí a sua força e seu poder de denúncia, fazendo o cinema cumprir sua função social. Um programa imperdível que traz um convite à reflexão.