O Festival do Rio 2018 foi de 1 a 11 de novembro, com cerca de 200 títulos. Ou seja, mais uma encolhida no Festival, que tem se mostrado cada vez mais combalido nos últimos anos. E, infelizmente para mim, não tive a oportunidade de ver filmes que realmente me interessavam pela questão do tempo e do trabalho. Pelo menos consegui assistir a “Os Olhos de Orson Welles”, esse sim um assunto que me chama a atenção, e é com ele que vou abrir a pequena série de análises dos filmes do Festival. Eu me considero até vitorioso por ter assistido a película, já que sua exibição teve uma série de problemas técnicos (filme que travava, legenda eletrônica que sumia e voltava, etc.).
Mas, do que se trata esse valioso documentário? O diretor Mark Cousins, narrando em primeira pessoa, procurou esboçar um pouco da trajetória de Orson Welles a partir de um grande achado: centenas de pinturas e desenhos pessoais do cineasta. Dialogando com a contribuição de Welles às artes plásticas, Cousins estabelece meio que um diálogo com essa incrível personalidade do século XX, onde muitas cenas de seus filmes ou imagens de arquivo também foram utilizadas. Pudemos ver ali detalhes da juventude de Welles, um pouco da história de sua mãe, uma ativista avançada para o seu tempo e que morreu quando o cineasta tinha apenas nove anos, seus amores, as mágoas que passou quando entrava em conflito com o sistema, etc.
O documentário também dialoga com suas produções cinematográficas, mostrando para o público toda a importância delas. E claro, conhecemos muitos detalhes do que Welles pensava sobre as coisas do mundo e de sua vida pessoal, onde alguns desenhos têm um tom intimista altíssimo, sobretudo na sua relação com as mulheres que amava. Há, inclusive, um trecho do documentário onde Cousins imagina uma suposta resposta de Welles ao próprio Cousins sobre as questões que são levantadas ao longo do documentário.
Um elemento que legitima demais tudo o que é apresentado no filme é a presença de Beatrice Welles, filha do cineasta, que é entrevistada e atua como uma espécie de consultora, dando acesso à sua coleção particular sobre o pai, onde podemos ver ainda mais pinturas e desenhos. Outro detalhe interessante é que Cousins tem a preocupação de retornar a locais que tiveram uma importância para Welles, com o intuito de mostrá-los como estão hoje. Em alguns casos, tudo continua como estava, mas em outros, tudo que lá existia já foi apagado.
O que mais chama a atenção nesse filme? É uma coisa que todo fã de cinema já está careca de saber, mas nunca é demais lembrar: Welles era uma força criativa em estado bruto, no sentido de que ele era muito producente e, simultaneamente revolucionário, seja quando produz um Macbeth somente com atores negros para o teatro, seja na sua estética expressionista em “Cidadão Kane”, seja no plano sequência memorável de “A Marca da Maldade”, seja nos ângulos de câmara de baixo para cima que tornavam gigante o protagonista. Podemos dizer que Welles era um homem multimídia de seu tempo, sempre se arriscando e experimentando, falando o que pensava e se engajando socialmente, o que despertava o ódio de pessoas muito importantes, onde William Randolph Hearst foi o maior paradigma.
Assim, “Os Olhos de Orson Welles” é um grande documentário que foi exibido no Festival do Rio 2018, pois ajudou a gente a revisitar esse personagem e grande figura multimídia do século XX que foi Orson Welles, através de seus desenhos e pinturas, desconhecidos da maioria das pessoas. Vale a pena dar uma garimpada atrás desse.