Batata News – Impressões Sobre O Oscar 2019

Queen abriu a festa!!!

A festa do Oscar esse ano começou com duas novidades. Em primeiro lugar, nada de mestre de cerimônias. Alguns acharam isso bom, porque se evitaram algumas piadinhas de gosto duvidoso, infelizes até. Por outro lado, se temos um bom Mestre de Cerimônias (me lembro muito de Whoopi Goldberg e do “hors concours” Billy Cristal) a coisa até flui bem e foi uma pena não termos essa figura esse ano. A segunda coisa foi a redução do tempo da premiação: cerca de três horas e meia. Confesso que isso me chateou mais, mesmo tendo que acordar cedo no dia seguinte, até porque o Oscar acontece somente uma vez por ano e o gasto com tempo de TV não seria uma exorbitância. Creio que valeria o investimento até por todo o clima de expectativa (e audiência garantida) que o Oscar proporciona.

“Green Book” levou a estatueta de Melhor Filme

Mas, o que podemos dizer do que aconteceu na cerimônia em si? Foi uma noite em que parece que a Academia se redimiu do “Oscar Branco” dos últimos anos. Muitos filmes de temática negra entre os indicados, assim como premiações também direcionadas nesse sentido. A começar pela atriz coadjuvante, Regina King, de “Se a Rua Beale Falasse”, desbancando Emma Stone e Rachel Weisz em “A Favorita”. Sei não, mas preferia que esse prêmio tivesse sido dado a Stone, até porque ela teve mais tempo de tela do que King e uma personagem que exigia mais de sua atuação, no qual a moça correspondeu. O trabalho de King também foi bom mas sua personagem foi menos presente no filme como um todo. Já para ator coadjuvante, Mahershala Ali teve um Oscar muito merecido em “Green Book”, sendo praticamente um dos protagonistas do filme. Essa era uma categoria muito disputada, principalmente quando a gente se lembra de Sam Rockwell fazendo Bush em “Vice” e Richard Grant em “Poderia Me Perdoar?”. Para ator, a surpresa de Rami Malek em “Bohemian Rhapsody”, desbancando Christian Bale (meu favorito) em “Vice” e Willem Dafoe em “No Portal da Eternidade”. Se for para alavancar a carreira do jovem ator (que mostrou seu talento também no remake de  “Papillon”), vale a estatueta. Mas que valia um prêmio aqui para um dos medalhões, valia. Para atriz, outra surpresa; Olivia Colman, de “A Favorita”, superou Glenn Close. Confesso que aqui achei o prêmio injusto. Preferia até Melissa McCarthy se Close não ganhasse. A premiação de Alfonso Cuarón para melhor diretor em “Roma” foi merecida mais por sua cinematografia (o Oscar de Fotografia para “Roma” foi, sim, merecido) do que pela direção em si, já que o filme poderia ter explorado um pouco mais a vida de preconceito das empregadas domésticas, o que parecia ser uma de suas propostas. Achei aqui que o prêmio de diretor caberia melhor para Spike Lee, pela sua forma de contar a inusitada história de “Infiltrado na Klan” com humor e, simultaneamente, tom de denúncia. Pelo menos, Lee levou a estatueta de Melhor Roteiro Adaptado e ainda fez um discurso anti-Trump, o que foi um dos pontos altos da cerimônia. Agora, sacanagem retumbante foi a força da indústria dar o Melhor Filme Estrangeiro a “Roma” e não a “Cafarnaum”, um dos melhores filmes do ano. A premiação de Melhor Animação para “Homem Aranha no Aranhaverso” foi muito merecida, mas se o critério mais artístico fosse adotado, “Ilha dos Cachorros” também poderia ter levado a estatueta, mesmo com uma história mais esquisita e tensa do que o Blockbuster divertido que foi “Aranhaverso”. Uma surpresa muito agradável foi para “Pantera Negra”. O melhor filme da Marvel de todos os tempos (na opinião desse humilde escriba) abiscoitou três estatuetas: figurino, design de produção (direção de arte) e trilha sonora. Foi a primeira vez que um blockbuster de super-herói recebe Oscars. E, particularmente, estou muito feliz que isso tenha ocorrido com “Pantera Negra”. Já os efeitos especiais ficaram para “O Primeiro Homem”, um filme que usa os efeitos sem ser de forma pirotécnica, com tiros, porradas e bombas, mas sim para deixar o espectador o mais íntimo possível das sensações da viagem num foguete e de como é a superfície lunar.

Os vencedores de ator e ator coadjuvante…

Os números musicais também deram o ar da sua graça e esquentaram a noite mais do que o normal. Foi simplesmente o Queen com Adam Lambert que abriu a festa, que nem preciso dizer mais nada. Aliás, “Bohemian Rhapsody” foi o grande vencedor da noite, pois abiscoitou quatro de cinco estatuetas que concorria. Além de Melhor Ator para Malek, ganhou os Oscars de Montagem (os mais puristas vão reclamar da cronologia fora de ordem, mas creio que isso foi mais uma proposta de roteiro), Mixagem de Som e Edição de Som. A decepção ficou por conta de “Vice”, que recebeu somente o prêmio de Maquiagem e Cabelo, merecidíssimo. Mas a parte mais emocionante da noite disparado foi o dueto de Lady Gaga com Bradley Cooper que ganhou o Oscar de Melhor Canção por “Nasce Uma Estrela”. Foi muito legal de ver os dois cantando juntos e toda a emoção de Gaga (que já comeu o pão que o diabo amassou na sua vida, com histórico de estupro e bullying) no seu discurso de agradecimento pelo prêmio de Melhor Canção.

Regina King, a melhor atriz coadjuvante…

Por fim, o melhor filme, para “Green Book, O Guia”. Eu particularmente achei muito merecido e era meu candidato. O filme despertou uma certa polêmica, pois a família do pianista (esse filme é baseado em fatos reais) não gostou do roteiro escrito pelo pai do motorista, que teria carregado nas tintas na amizade dos dois. Mas ainda assim, acho que valeu pela história, nem pelo fato da componente do racismo, mas sim pelo fato de que são duas figuras humanas que aprendem um com o outro, estabelecendo um vínculo. E a questão de se carregar nas tintas com a amizade, bem, o cinema, desde Melliès, nunca teve compromisso com a realidade. Talvez com a denúncia, mas nunca devemos nos esquecer que a sétima arte é a arte do ilusório.

Mahershala Ali, um prêmio merecido…

Muito bem, essas foram as impressões do Oscar desse ano. Alguns criticam a premiação do politicamente correto em detrimento da arte. Pode até ser, mas creio que isso não deslegitima o talento de quem ganhou. Claro que houve surpresas e até injustiças (leia-se Glenn Close e “Cafarnaum”) mas isso não pode significar um olhar mais antipático para os vencedores, que tiveram seus méritos. Devemos nos lembrar que houve uma mudança de perfil nos eleitores da Academia. Cerca de dois mil novos membros foram eleitos num Universo de oito mil eleitores em todo o mundo. Isso obviamente provoca mudanças nos pontos de vista, o que não deixa de dar um certo dinamismo revigorante para uma instituição que deve ter começado excessivamente WASP. De qualquer forma, o grande prêmio não é a estatueta careca e dourada, que vai ficar nas prateleiras dos vencedores pegando poeira, e sim os filmes e as histórias contadas, não importam se ganharam a estatueta ou não, que mexem com a imaginação e emoções de cinéfilos ao longo de todo muito. Prefiro os DVDs dessas preciosidades na minha estante. E Oscar? Posso comprar um de plástico no Saara na época do Carnaval, sem querer desmerecer o glamour da cerimônia, obviamente. Esperemos, agora, pelo próximo ano. Antes de terminar, só mais uma coisa: na seção “In Memoriam”, nosso Nelson Pereira dos Santos foi relembrado, com muita justiça, numa prova de que nosso cinema é sim reconhecido lá fora, muito ao contrário do que ocorre aqui quase sempre.

Olivia Colman, uma surpresa…

Fiquem agora com a lista de premiados:

MELHOR FILME

Premiado: Green Book – o guia

Roma

Bohemian Rhapsody

Pantera Negra

Nasce uma estrela

Vice              

A Favorita

Infiltrado na Klan

Cuarón, o melhor diretor, abraçando Del Toro…

MELHOR DIREÇÃO

Premiado: Alfonso Cuarón – Roma

Spike Lee – Infiltrado na Klan

Pawel Pawlikowski – Guerra Fria

Yorgos Lanthimos – A Favorita

Adam McKay – Vice

Malek: Bohemian Rhapsody ganhou quatro estatuetas….

MELHOR ATRIZ

Premiada: Olivia Colman – A Favorita

Yalitza Aparicio – Roma

Glenn Close – A Esposa

Lady Gaga – Nasce uma Estrela

Melissa McCarthy – Poderia Me Perdoar?

MELHOR ATOR

Premiado: Rami Malek – Bohemian Rhapsody

Christian Bale – Vice

Bradley Cooper – Nasce uma Estrela

Willem Dafoe – No Portal da Eternidade

Viggo Mortensen – Green Book

Spike Lee, o cara!!!!

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

Premiada: Regina King, Se a rua Beale falasse

Amy Adams, Vice

Marinha de Tavira, Roma

Emma Stone, A Favorita

Rachel Weisz, A Favorita

MELHOR ATOR COADJUVANTE

Premiado: Mahershala Ali – Green Book

Adam Driver – Infiltrado na Klan

Sam Elliott – Nasce uma Estrela

Richard E. Grant – Poderia Me Perdoar?

Sam Rockwell – Vice

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO

Premiado: Infiltrado na Klan

The Ballad of Buster Scruggs

Poderia me perdoar?

Se a rua Beale falasse

Nasce uma estrela

O ponto alto da noite: Lady Gaga e Bradley Cooper

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL

Premiado: Green Book – O guia

A favorita

No coração da escuridão

Roma

Vice

MELHOR FILME DE LÍNGUA ESTRANGEIRA

Premiado: Roma

Cafarnaum

Guerra fria

Never Look Away

Assunto de família

Muito choro com o Oscar….

MELHOR ANIMAÇÃO

Premiado: Homem-aranha no Aranhaverso

Os Incríveis 2

Ilha dos cachorros

Mirai

WiFi Ralph: Quebrando a Internet

MELHOR FOTOGRAFA

Premiado: Roma

Guerra fria

A favorita

Never Look Away

Nasce uma estrela

MELHOR DIREÇÃO DE ARTE

Premiado: Pantera Negra

A favorita

O primeiro homem

O retorno de Mary Poppins

Roma

MELHOR FIGURINO

Premiado: Pantera Negra

The ballad of Buster Scruggs

A Favorita

O retorno de Mary Poppins

Duas rainhas

MELHOR MONTAGEM

Premiado: Bohemian Rhapsody

Infiltrado na Klan

Green Book – o guia

A Favorita

Vice

MELHORES EFEITOS ESPECIAIS

Premiado: O primeiro homem

Vingadores: Guerra infinita

Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível

Ready Player One

Solo: Uma história Star Wars

MELHOR MAQUIAGEM E PENTEADO

Premiado: Vice

Duas rainhas

Border

MELHOR EDIÇÃO DE SOM

Premiado: Bohemian Rhapsody

Pantera Negra

O primeiro homem

Um lugar silencioso

Roma

MELHOR MIXAGEM DE SOM

Premiado: Bohemian Rhapsody

Pantera Negra

O primeiro homem

Roma

Nasce uma estrela

MELHOR TRILHA SONORA

Premiado: Pantera Negra

Infiltrado na Klan

Se a rua Beale falasse

Ilha dos cachorros

O retorno de Mary Poppins

MELHOR CANÇÃO ORIGINAL

Premiada: Shallow (Nasce uma Estrela)

All the Stars (Pantera Negra)

I’ll Fight (RBG)

The Place Where Lost Things Go (O Retorno de Mary Poppins)

When A Cowboy Trades His Spurs For Wings (The Ballad of Buster Scruggs)

MELHOR DOCUMENTÁRIO

Premiado: Free Solo

Hale County

Minding the Gap

Of Fathers and Sons

RBG

MELHOR CURTA-METRAGEM DOCUMENTÁRIO

Premiado: Absorvendo o tabu

Black Sheep

End Game

Lifeboat

Uma noite do Jardim

MELHOR CURTA-METRAGEM DE FICÇÃO

Premiado: Skin

Detainment

Fauve

Marguerite

Mother

MELHOR CURTA-METRAGEM ANIMADA

Premiada: Bao

Animal Behaviour

Late Afternoon

One Small Step

Weekends

Batata Movies – Um Segredo Em Paris. Um Estranho Casal.

Cartaz do Filme

Um filme que bota você perplexo. “Um Segredo em Paris” é curtinho (tem apenas cerca de 70 minutos), é existencial toda a vida e não se explica muito. Ou seja, parece uma película insuficiente em si mesma. Infelizmente, a gente precisa lançar mão dos spoilers para entender um pouco mais esse filme.

Macie, uma mulher existencial


O plot é muito simples. Uma moça de fora de Paris, Mavie (interpretada por Lolita Chammah) divide um apartamento com uma amiga que, digamos, é muito apaixonada pelo namorado. No Café que frequenta, ela vê um anúncio que propõe um emprego cujo pagamento é a moradia num apartamento. Para fugir do constrangimento na casa da amiga, Mavie procura o emprego, que é numa livraria. O dono da livraria, Georges (interpretado por Jean Sorel), é um velho rabugento e de passado obscuro. A livraria é uma bagunça só e ele nunca vende um livro sequer, colocando ainda mais mistério em sua vida pregressa, que nunca fica clara. Mavie fica fascinada pelo ancião e se apaixona por ele que, volta e meia, desaparece. O relacionamento entre os dois nunca fica muito claro, até porque Mavie gosta de escrever e a moça imagina diálogos de amor entre os dois, confundindo totalmente o espectador sobre o que é imaginação ou realidade.

Ela encontrará o misterioso Georges, dono de uma livraria…


Se a gente pudesse dar algum apelido à diretora Élise Girard (que também assina o roteiro, em conjunto com Anne-Louise Trividic) esse poderia ser o de “Chacrinha”, em virtude de sua épica frase “Eu vim aqui para confundir e não para explicar, meu filho”. A história faz um verdadeiro jogo de gato e rato com o espectador, usando Mavie como mote principal. A personagem é aquela existencial clássica, que povoou enormemente a Nouvelle Vague. Dores de cabeça e depressões fazem parte da ordem do dia de Mavie. E aí, para se aliviar de toda essa pressão, a moça lê e escreve. Quando Georges entra em sua vida, sendo um elemento inteiramente novo, a moça ganha um combustível inovador para a sua escrita e imaginação. E aí, não sabemos mais o que é realidade ou fantasia no filme. Georges e Mavie iniciam um relacionamento um tanto platônico. Mas isso seria apenas fruto da imaginação de Mavie? O filme deixa indicado que sim. Mas outros momentos do filme, como a vinda de criminosos à livraria que, inclusive, são mortos, fazem parte da realidade ou da ficção de Mavie? Essa coisa que fica em aberto acaba sendo uma espécie de atração principal do roteiro, que pode ser apreciável, se encaramos a película de um ponto de vista mais lúdico, mas que pode ser um tanto perturbador, se encararmos o filme dentro da perspectiva de uma narrativa mais tradicional. O filme é, acima de tudo, um diálogo entre o objetivo e o subjetivo, com uma provável voz maior para o último.

…e a livraria é uma zona só…


Pelo menos, ao desfecho, a coisa tende mais para o objetivo, onde sentimos um pouco o gosto triste da amargura de Georges, que se retira de cena da história de uma forma um tanto melancólica, enquanto que a vida de Mavie passa a ter um pouco mais de graça ao encontrar um novo amor. É nesse momento que a moça abandona a escrita, o que dá um pouco mais de objetividade ao filme.

As imagens do filme são carregadas de uma certa melancolia…


Dessa forma, “Um Segredo em Paris” é um filme que, por não fazer muita questão de se explicar, e fazer muita questão de confundir, acaba dando um certo trabalho ao espectador, que precisa se amalgamar com o objetivo e o subjetivo, tendo Mavie como uma espécie de norte, uma espécie de luz (?) no fim do túnel. Vale a pena pela curiosidade e pela experiência, embora a gente nunca possa se esquecer de que os filmes que abordam temas mais existenciais têm, em sua maioria, um ritmo excessivamente lento, o que é exatamente o caso aqui.