A festa do Oscar esse ano começou com duas novidades. Em primeiro lugar, nada de mestre de cerimônias. Alguns acharam isso bom, porque se evitaram algumas piadinhas de gosto duvidoso, infelizes até. Por outro lado, se temos um bom Mestre de Cerimônias (me lembro muito de Whoopi Goldberg e do “hors concours” Billy Cristal) a coisa até flui bem e foi uma pena não termos essa figura esse ano. A segunda coisa foi a redução do tempo da premiação: cerca de três horas e meia. Confesso que isso me chateou mais, mesmo tendo que acordar cedo no dia seguinte, até porque o Oscar acontece somente uma vez por ano e o gasto com tempo de TV não seria uma exorbitância. Creio que valeria o investimento até por todo o clima de expectativa (e audiência garantida) que o Oscar proporciona.
Mas, o que podemos dizer do que aconteceu na cerimônia em si? Foi uma noite em que parece que a Academia se redimiu do “Oscar Branco” dos últimos anos. Muitos filmes de temática negra entre os indicados, assim como premiações também direcionadas nesse sentido. A começar pela atriz coadjuvante, Regina King, de “Se a Rua Beale Falasse”, desbancando Emma Stone e Rachel Weisz em “A Favorita”. Sei não, mas preferia que esse prêmio tivesse sido dado a Stone, até porque ela teve mais tempo de tela do que King e uma personagem que exigia mais de sua atuação, no qual a moça correspondeu. O trabalho de King também foi bom mas sua personagem foi menos presente no filme como um todo. Já para ator coadjuvante, Mahershala Ali teve um Oscar muito merecido em “Green Book”, sendo praticamente um dos protagonistas do filme. Essa era uma categoria muito disputada, principalmente quando a gente se lembra de Sam Rockwell fazendo Bush em “Vice” e Richard Grant em “Poderia Me Perdoar?”. Para ator, a surpresa de Rami Malek em “Bohemian Rhapsody”, desbancando Christian Bale (meu favorito) em “Vice” e Willem Dafoe em “No Portal da Eternidade”. Se for para alavancar a carreira do jovem ator (que mostrou seu talento também no remake de “Papillon”), vale a estatueta. Mas que valia um prêmio aqui para um dos medalhões, valia. Para atriz, outra surpresa; Olivia Colman, de “A Favorita”, superou Glenn Close. Confesso que aqui achei o prêmio injusto. Preferia até Melissa McCarthy se Close não ganhasse. A premiação de Alfonso Cuarón para melhor diretor em “Roma” foi merecida mais por sua cinematografia (o Oscar de Fotografia para “Roma” foi, sim, merecido) do que pela direção em si, já que o filme poderia ter explorado um pouco mais a vida de preconceito das empregadas domésticas, o que parecia ser uma de suas propostas. Achei aqui que o prêmio de diretor caberia melhor para Spike Lee, pela sua forma de contar a inusitada história de “Infiltrado na Klan” com humor e, simultaneamente, tom de denúncia. Pelo menos, Lee levou a estatueta de Melhor Roteiro Adaptado e ainda fez um discurso anti-Trump, o que foi um dos pontos altos da cerimônia. Agora, sacanagem retumbante foi a força da indústria dar o Melhor Filme Estrangeiro a “Roma” e não a “Cafarnaum”, um dos melhores filmes do ano. A premiação de Melhor Animação para “Homem Aranha no Aranhaverso” foi muito merecida, mas se o critério mais artístico fosse adotado, “Ilha dos Cachorros” também poderia ter levado a estatueta, mesmo com uma história mais esquisita e tensa do que o Blockbuster divertido que foi “Aranhaverso”. Uma surpresa muito agradável foi para “Pantera Negra”. O melhor filme da Marvel de todos os tempos (na opinião desse humilde escriba) abiscoitou três estatuetas: figurino, design de produção (direção de arte) e trilha sonora. Foi a primeira vez que um blockbuster de super-herói recebe Oscars. E, particularmente, estou muito feliz que isso tenha ocorrido com “Pantera Negra”. Já os efeitos especiais ficaram para “O Primeiro Homem”, um filme que usa os efeitos sem ser de forma pirotécnica, com tiros, porradas e bombas, mas sim para deixar o espectador o mais íntimo possível das sensações da viagem num foguete e de como é a superfície lunar.
Os números musicais também deram o ar da sua graça e esquentaram a noite mais do que o normal. Foi simplesmente o Queen com Adam Lambert que abriu a festa, que nem preciso dizer mais nada. Aliás, “Bohemian Rhapsody” foi o grande vencedor da noite, pois abiscoitou quatro de cinco estatuetas que concorria. Além de Melhor Ator para Malek, ganhou os Oscars de Montagem (os mais puristas vão reclamar da cronologia fora de ordem, mas creio que isso foi mais uma proposta de roteiro), Mixagem de Som e Edição de Som. A decepção ficou por conta de “Vice”, que recebeu somente o prêmio de Maquiagem e Cabelo, merecidíssimo. Mas a parte mais emocionante da noite disparado foi o dueto de Lady Gaga com Bradley Cooper que ganhou o Oscar de Melhor Canção por “Nasce Uma Estrela”. Foi muito legal de ver os dois cantando juntos e toda a emoção de Gaga (que já comeu o pão que o diabo amassou na sua vida, com histórico de estupro e bullying) no seu discurso de agradecimento pelo prêmio de Melhor Canção.
Por fim, o melhor filme, para “Green Book, O Guia”. Eu particularmente achei muito merecido e era meu candidato. O filme despertou uma certa polêmica, pois a família do pianista (esse filme é baseado em fatos reais) não gostou do roteiro escrito pelo pai do motorista, que teria carregado nas tintas na amizade dos dois. Mas ainda assim, acho que valeu pela história, nem pelo fato da componente do racismo, mas sim pelo fato de que são duas figuras humanas que aprendem um com o outro, estabelecendo um vínculo. E a questão de se carregar nas tintas com a amizade, bem, o cinema, desde Melliès, nunca teve compromisso com a realidade. Talvez com a denúncia, mas nunca devemos nos esquecer que a sétima arte é a arte do ilusório.
Muito bem, essas foram as impressões do Oscar desse ano. Alguns criticam a premiação do politicamente correto em detrimento da arte. Pode até ser, mas creio que isso não deslegitima o talento de quem ganhou. Claro que houve surpresas e até injustiças (leia-se Glenn Close e “Cafarnaum”) mas isso não pode significar um olhar mais antipático para os vencedores, que tiveram seus méritos. Devemos nos lembrar que houve uma mudança de perfil nos eleitores da Academia. Cerca de dois mil novos membros foram eleitos num Universo de oito mil eleitores em todo o mundo. Isso obviamente provoca mudanças nos pontos de vista, o que não deixa de dar um certo dinamismo revigorante para uma instituição que deve ter começado excessivamente WASP. De qualquer forma, o grande prêmio não é a estatueta careca e dourada, que vai ficar nas prateleiras dos vencedores pegando poeira, e sim os filmes e as histórias contadas, não importam se ganharam a estatueta ou não, que mexem com a imaginação e emoções de cinéfilos ao longo de todo muito. Prefiro os DVDs dessas preciosidades na minha estante. E Oscar? Posso comprar um de plástico no Saara na época do Carnaval, sem querer desmerecer o glamour da cerimônia, obviamente. Esperemos, agora, pelo próximo ano. Antes de terminar, só mais uma coisa: na seção “In Memoriam”, nosso Nelson Pereira dos Santos foi relembrado, com muita justiça, numa prova de que nosso cinema é sim reconhecido lá fora, muito ao contrário do que ocorre aqui quase sempre.
Fiquem agora com a lista de premiados:
MELHOR FILME
Premiado: Green Book – o guia
Roma
Bohemian Rhapsody
Pantera Negra
Nasce uma estrela
Vice
A Favorita
Infiltrado na Klan
MELHOR DIREÇÃO
Premiado: Alfonso Cuarón – Roma
Spike Lee – Infiltrado na Klan
Pawel Pawlikowski – Guerra Fria
Yorgos Lanthimos – A Favorita
Adam McKay – Vice
MELHOR ATRIZ
Premiada: Olivia Colman – A Favorita
Yalitza Aparicio – Roma
Glenn Close – A Esposa
Lady Gaga – Nasce uma Estrela
Melissa McCarthy – Poderia Me Perdoar?
MELHOR ATOR
Premiado: Rami Malek – Bohemian Rhapsody
Christian Bale – Vice
Bradley Cooper – Nasce uma Estrela
Willem Dafoe – No Portal da Eternidade
Viggo Mortensen – Green Book
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Premiada: Regina King, Se a rua Beale falasse
Amy Adams, Vice
Marinha de Tavira, Roma
Emma Stone, A Favorita
Rachel Weisz, A Favorita
MELHOR ATOR COADJUVANTE
Premiado: Mahershala Ali – Green Book
Adam Driver – Infiltrado na Klan
Sam Elliott – Nasce uma Estrela
Richard E. Grant – Poderia Me Perdoar?
Sam Rockwell – Vice
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
Premiado: Infiltrado na Klan
The Ballad of Buster Scruggs
Poderia me perdoar?
Se a rua Beale falasse
Nasce uma estrela
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
Premiado: Green Book – O guia
A favorita
No coração da escuridão
Roma
Vice
MELHOR FILME DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
Premiado: Roma
Cafarnaum
Guerra fria
Never Look Away
Assunto de família
MELHOR ANIMAÇÃO
Premiado: Homem-aranha no Aranhaverso
Os Incríveis 2
Ilha dos cachorros
Mirai
WiFi Ralph: Quebrando a Internet
MELHOR FOTOGRAFA
Premiado: Roma
Guerra fria
A favorita
Never Look Away
Nasce uma estrela
MELHOR DIREÇÃO DE ARTE
Premiado: Pantera Negra
A favorita
O primeiro homem
O retorno de Mary Poppins
Roma
MELHOR FIGURINO
Premiado: Pantera Negra
The ballad of Buster Scruggs
A Favorita
O retorno de Mary Poppins
Duas rainhas
MELHOR MONTAGEM
Premiado: Bohemian Rhapsody
Infiltrado na Klan
Green Book – o guia
A Favorita
Vice
MELHORES EFEITOS ESPECIAIS
Premiado: O primeiro homem
Vingadores: Guerra infinita
Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível
Ready Player One
Solo: Uma história Star Wars
MELHOR MAQUIAGEM E PENTEADO
Premiado: Vice
Duas rainhas
Border
MELHOR EDIÇÃO DE SOM
Premiado: Bohemian Rhapsody
Pantera Negra
O primeiro homem
Um lugar silencioso
Roma
MELHOR MIXAGEM DE SOM
Premiado: Bohemian Rhapsody
Pantera Negra
O primeiro homem
Roma
Nasce uma estrela
MELHOR TRILHA SONORA
Premiado: Pantera Negra
Infiltrado na Klan
Se a rua Beale falasse
Ilha dos cachorros
O retorno de Mary Poppins
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
Premiada: Shallow (Nasce uma Estrela)
All the Stars (Pantera Negra)
I’ll Fight (RBG)
The Place Where Lost Things Go (O Retorno de Mary Poppins)
When A Cowboy Trades His Spurs For Wings (The Ballad of Buster Scruggs)
MELHOR DOCUMENTÁRIO
Premiado: Free Solo
Hale County
Minding the Gap
Of Fathers and Sons
RBG
MELHOR CURTA-METRAGEM DOCUMENTÁRIO
Premiado: Absorvendo o tabu
Black Sheep
End Game
Lifeboat
Uma noite do Jardim
MELHOR CURTA-METRAGEM DE FICÇÃO
Premiado: Skin
Detainment
Fauve
Marguerite
Mother
MELHOR CURTA-METRAGEM ANIMADA
Premiada: Bao
Animal Behaviour
Late Afternoon
One Small Step
Weekends