Mais um episódio da segunda temporada de “Jornada nas Estrelas Discovery”. “Luz e Sombras” vai ficar lembrado como o episódio em que Spock finalmente aparece na série. Seguindo a suposta sequência de episódios bons alternados com episódios ruins em Discovery, estaríamos agora no “episódio ruim”. E isso aconteceu? Bem, “Luz e Sombras” não foi aquela maravilha toda (sempre há um problema ou outro nas histórias), mas também não foi de todo ruim. Pode-se dizer que foi um episódio mediano, mesmo com a aparição de um personagem tão esperado. Vamos lançar mão dos spoilers.
Qual foi o plot desse episódio? Na verdade, tivemos duas histórias ocorrendo em paralelo, como víamos nos episódios das séries mais antigas. O que seria o plot principal foi a viagem de Burnham a Vulcano, para falar com sua mãe Amanda, que escondia seu filho vulcano/humano até de Sarek. Spock está superzureta das ideias por causa do anjo vermelho e dos sete sinais que ele já viu. Assim, ele fica repetindo continuamente premissas básicas de lógica para não pirar de vez, pois tais imagens o afetavam profundamente. Spock também repete uma sequência numérica aparentemente sem sentido. Sarek descobre Spock e fala para ele ser entregue para a Seção 31, pois ela é interessada na recuperação do vulcano/humano e se Burnham não fizesse isso, ela poria novamente a sua carreira em risco. Assim, nossa protagonista toda inocente leva seu irmão para a navezinha da Seção 31 e é convencida por um discurso todo meloso de Leland de que eles vão cuidar bem de Spock. Mas a Imperatriz alerta que eles vão pegar as informações que precisam de Spock e nem querem saber se ele vai se ferrar ou não e ela somente diz isso a Burnham porque a conhece bem e quer ferrar com Leland. Burnham, depois de simular uma pancadaria com a Imperatriz, tira Spock da Seção 31 e descobre que os números que Spock fala em seus delírios são as coordenadas de Talos IV, planeta que aparece lá no piloto da série, na longínqua década de 60.
O segundo plot gira em torno da tentativa de Pike e de Tyler de enviar uma sonda para pesquisar uma anomalia temporal deixada pela aparição do anjo vermelho em Kaminar. Os dois tentam lançar essa sonda a partir de uma nave auxiliar, ficando presos na anomalia temporal, e depois de muito discutirem para ver quem é o macho alfa do pedaço, a sonda retorna do futuro (cerca de 500 anos adiante) toda modificada (parece o Dr. Octopus do Homem Aranha) e toda agressiva, querendo atacá-los e analisando todos os dados da nave. Quem salva o dia é Stamets e seu DNA de tardígrado, que é à prova de anomalias temporais, trazendo de volta Pike e Tyler.
Vamos lá. O que podemos dizer dessas duas histórias? Com relação à ida de Burnham à Vulcano, o que mais incomoda é a forma como Spock é apresentado, ou seja, totalmente zureta das ideias. Depois de J. J. Abrams, Spock ficou excessivamente emotivo, quando boa parte da graça do personagem justamente eram os seus lampejos de emoção num comportamento lógico. Dava para fazer algo que conservasse mais a sua lógica, sem esse paroxismo todo. Como se não fosse suficiente, ainda meteram uma dislexia (herdada de Amanda) no vulcano/humano, o que justificaria as leituras de “Alice No País Das Maravilhas” empreendida pela mãe para o filho. Sei não, dava para tratar esse conflito todo de Spock provocado pelo anjo vermelho de uma forma menos exagerada emocionalmente, como vimos na meditação de Sarek, por exemplo. Spock também poderia fazer algo parecido, entrando numa meditação profunda e bloqueando inclusive qualquer tentativa de elo mental.
O núcleo da Seção 31 também apresentou problemas. Se foi legal ver Leland fazendo um discurso meloso para cima de Burnham, dizendo que eles tratariam Spock com todo carinho, mas que na verdade encobria uma (óbvia) trairagem (que não sei como nossa protagonista engoliu tão fácil), por outro lado, foi difícil de engolir a Imperatriz denunciando a trairagem para Burnham e ainda usar argumentos pouco convincentes do porquê da denúncia (porque Burnham era “boa” e a Imperatriz queria ferrar Leland). Para piorar, ainda teve aquele momento “Mortal Kombat” entre as duas, só para dar uma pitada (desnecessária) de ação à história. (cadê o toque vulcano para fazer a Georgiou dormir, Michael?). Pelo menos, dois elementos novos foram adicionados aqui. Georgiou disse que conhece Burnham muito bem e o fato de que Leland matou os pais biológicos de Burnham. Vamos ver como essas coisas vão se encaixar mais lá para a frente no rosário de pontas soltas que essa série tem. Por fim, colocar Talos IV na jogada foi, a meu ver, uma boa ideia, pois é uma referência direta ao primeiríssimo episódio piloto da série, dando um certo conforto aos fãs mais “dinossauros”, como se tem dito por aí (dos quais esse humilde escriba se inclui; pelo menos sei que não estou sozinho).
Já a segunda história começou com aquela briguinha boba entre Pike e Tyler e ela só serviu mesmo para mostrar que Pike mais uma vez tomou a atitude correta de capitão contra insubordinação, ameaçando mandar Tyler para o xadrez. Tanto bate-boca desnecessário para depois os dois fazerem as pazes ao final como duas Madalenas arrependidas. Apesar disso, foi boa a ideia da sonda avançar 500 anos no futuro e voltar totalmente agressiva, ainda implantando algo em Airiam, a menina-robô (outra ponta solta). Foi legal também lançar mão de Stamets e seu DNA de tardígrado que o deixa imune a anomalias temporais. Vou repetir aqui: o personagem Stamets é bom, assim como a interpretação de Anthony Rapp, e ele deve continuar na série. Por isso, gostei da volta de Culber (apesar dela ter sido um tanto Mandrake, se bem que ela pode ter afundado de vez os malditos micélios) para se desenvolver algo com Stamets na trama além de, agora, o tripulante mais albino de Jornada nas Estrelas poder ser pau para toda a obra em querelas temporais. A coisa de Pike liberar plasma da nave auxiliar para deixar um sinal para a Discovery foi também muito legal, pois foi uma referência direta ao episódio “Primeiro Comando” da série clássica, onde Spock faz o mesmo para atrair a atenção da Enterprise e nas mesmas circunstâncias de carência de combustível. Só é de se lamentar nesse sétimo episódio de Discovery as palavras de baixo calão e chulas proferidas por Tilly em plena ponte, provocando expressões de reprovação de Saru (isso sim muito engraçado). Eu avisei que uma Tilly à beira de um ataque de nervos era bem melhor. Sei não, se falaram de Tarantino para dirigir um Star Trek no cinema, creio que em Discovery um Almodóvar cairia bem.
Dessa forma, “Luz e Sombras” foi até um episódio relativamente bom de “Jornada nas Estrelas Discovery”, com sequências de ação mais justificáveis na história de Pike e Tyler, mas nem tanto na história de Burnham (a sequência “Mortal Kombat”). Confesso, entretanto, que fiquei um pouco chateado com aquele Spock todo traumatizado. Quem sabe a ida para Talos IV não traga um ingrediente mais atraente. Foi legal ver Stamets arregaçando as mangas para salvar o dia e ficou a incógnita do sinal em Airiam. Esperemos, mais uma vez, pelo próximo episódio.