Um filme brasileiro, que foi o nosso representante no Oscar 2019. “O Grande Circo Místico” é inspirado no disco de 1983, composto por Chico Buarque e Edu Lobo, sendo um ícone de nossa MPB. As músicas são interpretadas por antológicas figuras como Milton Nascimento, Gal Costa, Jane Duboc, Tim Maia, Simone, Gilberto Gil, Zizi Possi e os próprios Chico Buarque e Edu Lobo. Agora, Cacá Diegues traz para o cinema a saga desse circo centenário, surgido a partir de uma tradicional família austríaca (Knieps), onde tivemos um romance entre um aristocrata e uma acrobata, que dá início à trupe.
O filme transcorre ao longo de um século, onde vemos um rosário de bons atores: Bruna Linzmeyer, Mariana Ximenes, Juliano Cazarré, Antônio Fagundes. Mas os grandes destaque entre os atores são Vincent Cassel e Jesuíta Barbosa. Cassel interpreta Jean Paul, um homem que quer vender o circo e usar esse capital para investir em terrenos, sendo um marido cruel e violento. O ator, apesar de aparecer pouco, rouba a cena em seus momentos no filme e engrandece em muito a produção.
Mas a grande figura, sem a menor sombra de dúvida, é Jesuíta Barbosa, que esteve simplesmente extraordinário em seu personagem Celavi (o leitor mais atento deve ter percebido que o nome do personagem é uma corruptela de “C’est la vie”, ou simplesmente, “É a vida”). Esse personagem está no circo por durante todos os seus cem anos, sem sequer envelhecer, acompanhando todas as gerações. Era divertido testemunhar como Celavi mudava de visual (vestuário, cabelos, etc.), com o passar do tempo, se adequando a todas as tendências da moda de cada época. Celavi era vívido, lúdico, brincalhão, amável e respeitoso, o verdadeiro guardião da tradição do circo. Jesuíta Barbosa deu tons altamente marcantes de carisma para seu personagem, surgindo uma empatia imediata entre ele e o espectador. Celavi era o verdadeiro condutor da película. O tempo passava, membros da nova geração chegavam e lá estávamos nós procurando onde Celavi estava.
Aqui precisamos dar um alerta de spoiler. Algumas pessoas talvez tenham se incomodado com as excessivas cenas de nudez e sexo. Pelo estilo do diretor, tinha horas que essas cenas nos remetiam ao cinema brasileiro da década de 70. Mas Diegues conseguiu dialogar com o aparente estereótipo e o fez de forma magnífica, principalmente na cena das irmãs gêmeas voando nuas sobre o picadeiro, o ponto alto do filme. A coisa ficou lúdica, inocente, esteticamente muito bonita, repelindo qualquer avaliação que qualificasse a sequência como imoral ou de mau gosto. Foi o ponto alto do filme e de todo o clima lúdico e infantil ao qual a coisa se propunha (a gente já sentia isso de forma muito forte no trailer, que somente confirmou esse quê poético do filme). Definitivamente, é uma justa homenagem em imagens a esse trabalho tão conhecido de Chico Buarque e Edu Lobo.
Só é de se lamentar que tudo tenha um fim. Mas como é dito por aí, “C’est la vie”. E o personagem principal do filme não nos deixa esquecer isso um segundo sequer. A vida pode trazer momentos de alegria, típicas dos espetáculos que vemos no picadeiro, mas também podem nos trazer momentos de trevas, melancolias e até de tragédias. Cem anos são muito tempo para experimentarmos uma série de situações felizes e tristes. E, ao final, o olhar sobre o passado nos revela um caleidoscópio de luzes e trevas.
Dessa forma, apesar de “O Grande Circo Místico” não chegar aos cinco finalistas para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, uma coisa é certa: esse filme já é em si um grande prêmio, uma pequena joia de nosso cinema que está guardada numa caixinha de música toda ornamentada, com trapezistas, leões, elefantes, domadores, palhaços, bailarinas, e um ícone de lúdico resistente ao tempo. É o tipo do filme para ver, ter e guardar.