Um filme perturbador, escrito e dirigido por Brad Silberling (o mesmo de “Cidade dos Anjos”). “Um Homem Comum”, estrelado por Ben Kingsley, mostra o quanto o cheiro de sangue da morte de um culpado pode ser inodoro ou, pelo contrário, trazer a marca amarga do arrependimento.
Qual é o plot? Estamos na Sérvia pós-guerra dos Bálcãs. Um general acusado por todo o mundo por atrocidades de guerra (interpretado por Kingsley) vive às escondidas para não ter que encarar o tribunal e as penas para os seus crimes contra a humanidade. Desafiando a tudo e a todos, ele anda tranquilamente pelas ruas, para o desespero de seus seguranças e é tratado como herói por algumas pessoas. Ele troca constantemente de endereço e, quando chega a um novo apartamento, ele se depara com uma jovem e linda moça, Tanja (interpretada por Hera Hilmar), que é a empregada doméstica da antiga moradora. O general então irá submetê-la a uma espécie de interrogatório, digamos, peculiar e pede que a moça seja a sua empregada doméstica em tempo integral. Vai começar uma estranha relação onde o temperamento ríspido do general tenta invadir o íntimo da jovem. Mas algumas reviravoltas ainda iriam acontecer nessa história.
É um filme que te tira da zona de conforto, pois o protagonista, com o qual o espectador deve se envolver, é um genocida de marca maior. Mas isso não impede que ele tenha um passado, mágoas, sofrimentos e frustrações. E, ao se relacionar com uma jovem que teima em esconder o seu passado, a coisa pode ficar turbulenta em algumas vezes. De qualquer forma, o relacionamento e a proximidade desabrocham, sem qualquer espaço para um romance improvável, dadas as circunstâncias como o próprio espectador irá testemunhar. De qualquer forma, o desfecho é extremamente chocante, o que faz desmoronar a montanha de empáfia e dureza do general, imprimindo novamente a máxima de que “pimenta nos olhos dos outros é refresco”.
Esse é um filme de, basicamente, dois atores: Kingsley e Hilmar. É claro que o grande ator é o centro das atenções e a película gira em função dele. E podemos dizer que ele destilou sua competência de sempre, principalmente pelo fato de que podemos ter sentimentos conflitantes para com o personagem: de uma raiva latente pelo seu descaso com as atrocidades que cometeu, passamos pela forma esporadicamente meiga com a qual ele trata a sua personagem, assim como nos compadecemos com suas dores do passado e com seus lampejos de arrependimento por tudo o que fez.
A gente percebe que, à medida que a exibição corre, ele sai de um estado de dureza absoluta para uma vulnerabilidade quase que total, constituindo-se num personagem altamente complexo, que somente um ator do naipe de Kingsley poderia fazer. Já Hilmar teve a dificílima missão de contracenar com Kingsley, não comprometendo em sua atuação, mas parecendo mais uma escada para o ator. De qualquer forma, ela teve uma importância fundamental num momento chave do filme, que o spoiler me impede de dizer.
Dessa forma, “Um Homem Comum” é um filme que vale a pena a atenção do espectador, pois conta com o grande talento de Ben Kingsley e é uma película perturbadora, que te tira da zona de conforto, pois vemos um personagem odioso se abrindo aos poucos, tornando-se cada vez mais vulnerável com o tempo. Além disso, o filme tem um desfecho forte, daqueles que fazem a gente sair da sala num estado letárgico, perplexo, abobalhado, até, e que expõe toda a fragilidade da vida humana. É recomendado pelo impacto. Nós não ficamos indiferentes ao que vemos.