Uma co-produção Índia/França. “A Costureira de Sonhos” é mais um daqueles filmes de empregada doméstica, um tema que sempre chama a atenção quando passa por aqui, até porque a figura dessa profissional é um dos resquícios bem claros do escravismo em nossa sociedade brasileira contemporânea. Para analisarmos essa película, vamos lançar mão de spoilers.
Vemos aqui a trajetória de Ratna (interpretada por Tillotama Shome), uma moça condenada pelo destino, pois enviuvou muito cedo em sua vila no interior da Índia. Segundo a tradição, quando isso acontece, a moça fica marcada e meio que amaldiçoada, não podendo mais casar. Ratna decide, então, tentar a sorte na cidade grande como empregada doméstica para juntar dinheiro. A moça, também, tem um sonho: ela quer aprender costura para se tornar uma estilista profissional. Mas ela vai ter que suar a camisa demais para atingir seus objetivos. Ela trabalha na casa de um rapaz muito rico e ocidentalizado, Ashwin (interpretado por Vivek Gomber). Ele ia se casar, mas o relacionamento terminou de forma, digamos, desagradável, às vésperas da cerimônia. Desde então, ele mete as caras no trabalho e tem uma postura muito reservada. E aí, os dois, patrão e empregada, vivem juntos num apartamento enorme. Impossível não rolar algo.
Há algum tempo, “Roma” de Alfonso Cuarón, ganhou as manchetes e Oscars. Um filme um tanto autobiográfico onde o diretor quis celebrar as lembranças afetivas de sua infância e da empregada da família, não sem mencionar um contexto mais social, onde o relacionamento entre patrão e empregada podia ser eivado de preconceitos. Me pareceu na ocasião que essa questão social poderia ter sido um pouco mais abordada na película. E aí, filmes brasileiros como “Que Horas Ela Volta”, com a Regina Casé, e até “Romance da Empregada”, com Betty Faria teriam abordado essa questão social de uma forma mais aprofundada que “Roma”. Agora, “A Costureira de Sonhos” faz o mesmo, ainda abordando um tema extremamente complexo, o sistema de castas indiano, onde a estratificação social atinge níveis extremos aos nossos olhos ocidentais.
Ashwin e Ratna se apaixonam. Há uma correspondência entre os dois, mas o preconceito na sociedade indiana de um casal formado por estratos sociais tão diferentes impede com veemência essa união. E, leia-se, não é apenas uma imposição de uma classe mais alta sobre uma classe mais baixa. Os colegas de Ratna, também de seu estrato social, zombavam dela quando percebiam o interesse de Ashwin nela. Isso bloqueava totalmente um possível relacionamento entre os dois e o filme deixou bem claro como essa tradição (vista inteiramente como a vilã da história aqui) aniquila os desejos dos indivíduos.
O desfecho foi curioso. Tudo indica um chute no happy end. Mas optou-se por uma relativização da coisa, ou seja, como se trata de um amor impossível, Ashwin deu uma última cartada para dar uma esperança de dias melhores para Ratna. Assim, o gosto amargo de um amor não concretizado vem com um recheio de um futuro de esperança para a nossa protagonista, o que deixa o filme simpático aos olhos do espectador que não tem apenas que enfrentar a acidez dos problemas sociais provocados pelo sistema de castas da Índia.
Assim, “A Costureira de Sonhos” é um filme que vale a pena ser visto, mostrando que a questão social das empregadas domésticas sempre pode ser abordado de uma forma inédita e criativa. Desde “Roma”, que tinha um escopo mais afetivo que social, passando pelos filmes brasileiros de empregada que nos mostram a coisa de uma forma bem mais familiar, chegando até essa película que aborda a questão numa sociedade diferente da nossa como a indiana. Parece que os filmes de empregada estão virando uma espécie de gênero próprio.