Um filme sueco para lá de perturbador. “Border” pode ser qualificado inicialmente como uma obra altamente surreal. Mas ela possui algo nas entrelinhas. Ou seja, é um filme altamente complexo que não pode ser julgado logo de primeira. Até porque ficamos com um baita nó na cabeça ao assistir. Vamos lançar mão dos spoilers aqui.
O plot fala de Tina (interpretada por Eva Melander), uma funcionária da alfândega de um aeroporto que consegue descobrir uma série de irregularidades somente pelo faro. Sentimentos como vergonha, culpa e raiva passam por suas narinas, sendo a policial perfeita. Mas essa característica peculiar também lhe dá uma aparência grotesca, praticamente não humana. Um belo dia, passa pelo aeroporto Vore (interpretado por Eero Milonoff), um cara da mesma “espécie” que ela. Os dois começam a estabelecer um relacionamento. Vore come larvinhas que colhe na natureza e revela a Tina que eles são de uma espécie chamada Trol e que existem mais deles. Ainda, os humanos sempre querem destruir aquilo que não conhecem. Trol tem, então, uma espécie de complexo de magneto e quer fazer de tudo para prejudicar a humanidade, colocando em conflito toda a ética e retidão de Tina, que vai precisar tomar uma decisão entre seu amigo trol e seus princípios inerentes à humanidade.
Falando dessa forma resumida, o plot parece demasiado simples. Mas o detalhe aqui é que a espécie trol foi pensada com o intuito de causar a maior estranheza possível no espectador. Quando quero dizer isso, é da forma mais repugnante possível mesmo, como se a narrativa provocasse o público de forma hiperexagerada para atestar até onde ele tolera as diferenças. Além de colocar os trols feios demais, a experiência sexual dos dois foi concebida para ser a mais perturbadora possível, sendo extremamente animalesco, com direito a muitos urros, além dos dois terem sexos trocados (isso mesmo, era a Tina que era a detentora do pênis aqui). Para arrematar, ambos tinham uma marca de cirurgia nas costas, pois tiveram a sua cauda cortada quando eram bebês, da mesma forma que se corta a cauda de cachorrinhos. Mas o que chama mesmo a atenção é a decisão que Tina tem que tomar ao ver o comportamento destrutivo de seu par. Ela se agarra a sua ética e ao seu jeito humano de ser. Ou seja, mesmo com todo o preconceito que sofre, o trol não tem o direito de assumir um comportamento agressivo e covarde com humanos indefesos (não me estenderei mais com os spoilers), pois isso viola os princípios de Tina.
O filme, por ser muito surreal, transita entre vários campos. Além da óbvia questão da discussão do respeito à diferença, assim como o forte clima de estranhamento imposto, temos um clima de romance bucólico, com o casal trol em idílio totalmente nu pela floresta (provavelmente seu habitat natural) assim como até um leve arremedo de terror, quando as intenções macabras de Vore se manifestam.
Assim, “Border” é um programa obrigatório, pois, pelo seu grau de surrealismo, consegue suscitar muitas reflexões e até a presença de mais de um gênero. Não podemos nos esquecer de que esse filme é de um diretor iraniano radicado na Suécia, Ali Abassi, que assina o roteiro baseado no conto de John Ajvide Lindqvist, o mesmo que escreveu a história de “Deixa Ela Entrar”, sobre um romance pré-adolescente entre um garotinho e uma sanguinária vampirinha, que também chegou às telonas há alguns anos. Ou seja, o exotismo aqui transpira, tornando esse filme imperdível.