Um filme francês que dá pano para a manga para uma reflexão. “Amanda” lança mão de um expediente já batido quando se pretende fazer filmes fofinhos: usar crianças doces e meigas. Aqui, temos a menininha Isaure Multrier fazendo a protagonista Amanda, um poço de fofura, uma menina totalmente comportada e muito sensível.
Infelizmente (alerta de spoiler), Amanda perderá sua mãe de uma forma bem trágica, através de um atentado terrorista muito traumático. A mocinha ficará, então, sob as responsabilidades do tio, David (interpretado por Vicent Lacoste), um jovem de 24 anos que poda árvores públicas e trabalha também alugando imóveis. Nem é preciso dizer que David tem pouca experiência em cuidar de uma criança pequena, além do fato de a perda ter sido extremamente traumática tanto para ele quanto para Amanda. Numa hora dessas, de momentos de extrema fragilidade, feridas do passado também se abrem. É que David nunca conheceu a mãe pessoalmente, uma inglesa que não mais retornou à França. Antes de morrer, a mãe de Amanda marcou uma viagem para a Inglaterra para assistir ao torneio de Wimbledon de tênis. Essa será uma boa oportunidade de David a Amanda conhecerem uma parente próxima que vive muito distante.
Esse filme tem dois pólos que precisamos tratar aqui. Em primeiro lugar, a coisa é muito doce, muito delicada. Temos uma trama que gira basicamente em torno da relação entre Amanda e David. Sensibilizados pela dor de uma perda tão trágica, os dois praticamente têm somente um ao outro e precisam aprender a conviver com isso.
Dentro desse ritmo, o filme traz momentos muito singelos e prosaicos. É realmente uma película cheia de muita ternura e emoção, sendo essa uma grande virtude. Entretanto, tal coisa tão singela pode ser também um problema. E aí chegamos ao outro pólo: o filme parece soar muito artificial e superficial em alguns momentos. Numa situação real, não haveria espaço para tanta singeleza e até letargia. Perdas violentas levam a reações violentas. David não podia ter apenas acessos de choro o tempo todo. A revolta tem que aflorar aqui. Isso é algo normal numa situação tão extrema quanto essa. Por outro lado, Amanda chega até a levar uma advertência, mas isso é apenas citado no filme.
Seria interessante entender por que a menina levou a punição. No mais, só o choro compenetrado de ambos os protagonistas. Infelizmente, isso parece soar muito falso. Existe um espaço para o inconformismo e a revolta que são até sadios em tais circunstâncias e que não foi aproveitado. Nem a rusga do passado entre David e sua mãe foi melhor trabalhada quando da viagem do rapaz à Inglaterra. Civilizado demais para as agruras da vida real.
De qualquer forma, a atuação de Multrier merece um destaque todo especial, principalmente ao seu final, onde a menininha começa a ter um acesso de choro em plena quadra central de Wimbledon. À medida que seu tenista perde o jogo, ela se lembra do que a mãe falava de Elvis Presley, quando ele “deixa o prédio do teatro onde fez seu show” e isso foi anunciado para as fãs. Desde então, a expressão “deixar o prédio” significa o fim de algo. A mocinha, ao ver seu tenista perdendo, vê o fim, assim como sua mãe teve um fim, e começa a chorar progressivamente. Realmente foi algo muito impressionante ver uma menininha atuar de forma tão profissional para a sua idade, sendo esse o momento do filme que vale o ingresso.
Assim, “Amanda” é um filme onde sua grande virtude – a delicadeza – pode ser também o seu maior problema. A ternura envolvente é excessiva e implausível, mas ainda assim cativante, o que faz essa película valer a pena.