Um excelente documentário brasileiro. “Missão 115” fala de um dos períodos negros da ditadura militar do Brasil: os atentados terroristas a grupos que pediam a volta da democracia depois das promessas de distensão lenta e gradual de Geisel e da volta a democracia de Figueiredo. Dirigido por Silvio Da-Rin, o documentário tem uma postura altamente corajosa de questionar com volúpia as ações dos militares naquela época de atentados à bomba que matavam ou desfiguravam pessoas como o que aconteceu na sede da OAB. Toda uma atenção especial é dada ao caso do Riocentro de 1981 (a tal “Missão 115” é a do Riocentro), onde tudo já estava bem arquitetado desde o início, não fosse por um pequeno detalhe na hora de se armar os explosivos que acabou provocando a detonação dos mesmos dentro do famoso Puma prateado evitando uma tragédia que, provavelmente, seria de consequências terríveis. O documentário deixa muito claro que o atentado mal sucedido ao Riocentro desmoraliza o regime militar de vez, e a tão sonhada distensão lenta e gradual acaba se abreviando. Figueiredo, segundo o documentário, não poderia ter sido uma escolha pior para suceder Geisel, pois o último presidente militar pertencia ao SNI e à linha dura de extrema direita dos militares, justamente o grupo que praticava os atentados, deixando o presidente numa baita de uma saia justa.
Mas o documentário não para por aí. Ele faz um excelente esforço de reflexão ao questionar a lei de anistia, que ficou mais como uma impunidade generalizada do que uma reparação dos crimes da ditadura. E, ainda, analisa de forma magistral como o ranço autoritário gerado nos anos de repressão pode ter influenciado o processo de impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Ou seja, o documentário até elenca um tema principal – o caso Riocentro – mas não fica somente num recorte de tempo muito estrito. Ao se alongar mais no decorrer dos anos, o filme opta por analisar a situação mais como um processo que se perpetua no tempo (ou seja, o autoritarismo latente que sobrevive em práticas de impunidade), mais ou menos num contexto de média duração. A maior prova da perpetuação desse ranço autoritário foi a forma como a Comissão Nacional da Verdade é tratada no filme, tal com se fosse um fantoche altamente manipulável somente para inglês ver e para se dar alguma satisfação para as dores que os humilhados pelas torturas passaram. Uma colaboração pífia das Forças Armadas, uma Comissão que mal tinha tempo hábil para investigações e resultados que já eram do conhecimento da maioria geral. E isso porque o Brasil havia tomado um puxão de orelha da OEA para investigar e punir os crimes da ditadura.
A estrutura do documentário é daquelas bem tradicionais, com uma narração mais pautada em falas de atores sociais daquele momento, testemunhas e pesquisadores especializados. Dentre os pesquisadores, podemos citar a presença dos historiadores Daniel Aarão Reis (UFF), Carlos Fico e Francisco Carlos Teixeira (ambos da UFRJ). Mas também podemos citar o importante depoimento de Cláudio Guerra, ex-militar envolvido nas operações de eliminação dos grupos guerrilheiros da época da ditadura. Alem dos depoimentos, temos, também, uma quantidade muito boa de imagens de arquivo que ilustram bem todo o contexto abordado. Ou seja, e trocando em miúdos: é o tipo de documentário que prende a nossa atenção do início ao fim
Assim, “Missão 115” é um daqueles filmes fundamentais que não podemos deixar escapar de nossa carreira de cinéfilo. É um filme que busca explicar, de forma muito didática, como foram esses períodos negros do passado e qual é a conexão dessa época com o futuro nebuloso que paira sobre nossas cabeças; o cheiro de autoritarismo infelizmente tem andado muito forte por aí e dias sombrios parecem pairar no ar. “Missão 115” nos ajuda a refletir sobre todo esse contexto. Imperdível.