Mais um bom filme brasileiro. “O Paciente – O Caso Tancredo Neves”, do consagrado diretor Sérgio Rezende, já diz ao que vem no título com muita clareza. Ou seja, o filme analisa os últimos dias de Tancredo Neves, o político que conseguiu construir uma complicada aliança política que garantiu a transição da ditadura militar para a democracia no ano de 1985. Eleito presidente pelo colégio eleitoral, Tancredo seria o homem que conduziria o país na chamada “Nova República”.
Mas o país foi assombrado, no dia 14 de março de 1985 (véspera da posse de Tancredo) pela notícia da internação do futuro presidente e sua cirurgia às pressas. Daí, foram mais de trinta dias de angústias e informações desencontradas que culminaram com a morte de Tancredo e um clima de comoção nacional, temperada com um desgosto enorme por ver um antigo apoiador do regime autoritário assumir a presidência, dando a impressão de que nada havia mudado.
Mas, e o filme? Tivemos Othon Bastos como Tancredo Neves e Esther Góes como Dona Risoleta, ambos em atuações brilhantes. Se Bastos aparece mais ao início do filme, tendo, pouco a pouco, menos chances de atuar, à medida que o quadro de saúde de seu personagem se agravava, com Esther Góes foi justamente o contrário, que se sobressaía à medida que Tancredo piorava. Nessa via de mão dupla, Bastos e Góes se encontravam atuando conjuntamente com uma forte química, sendo um deleite para o público ver o trabalho dos dois.
Agora, o que definitivamente chama mais a atenção no filme, foi toda a via crucis que Tancredo passou em virtude de uma sucessão de erros médicos dignos daqueles que atacam o povão na fila do SUS. Tivemos ali uma infeliz combinação de uma doença se manifestando na hora errada com todo um clima de nervosismo dos médicos que operavam e tratavam do futuro presidente, que se sentiam com uma real batata quente nas mãos. Aliado a isso, uma violenta fogueira de vaidades, onde alguns médicos atuavam como verdadeiras estrelas midiáticas, assumindo para si a função de dar para a mídia informações sobre o estado de saúde de Tancredo, simplesmente atropelando o porta-voz oficial do futuro governo, o jornalista Antônio Brito, que era antes disso um conhecido comentarista político da Globo. O filme mapeia com grande desenvoltura todo esse processo do tratamento do presidente, que foi um jogo de muito mais do que sete erros.
Uma coisa incomoda um pouco. Um certo fim abrupto da película, que termina numa espécie de devaneio final de Tancredo com a rampa do Palácio do Planalto engalanada pelas duas fileiras de Dragões da Independência. Seguido a isso, muitas imagens de arquivo do cortejo fúnebre de Tancredo, com a inesquecível “Coração de Estudante” de Milton Nascimento ao fundo. Confesso que bate realmente uma emoção ao rever tudo aquilo, pois quem vivenciou a época se lembra de como foi doloroso todo aquele processo, ainda mais com a falta de consciência, no contexto da época, de minha parte, de todas as articulações políticas que Tancredo fez para conseguir a transição democrática. Todo o momento meio que foi construído pela mídia no intuito de se transformar Tancredo num verdadeiro herói nacional. E aí, a comoção foi inevitável. O único problema é que tudo isso veio de uma forma muito rápida, dando ao filme um desfecho logo em seguida. Parece que faltou algo ali no meio. Ou talvez não se tivesse mais nada a dizer.
Assim “O Paciente – O Caso Tancredo Neves”, mesmo que tenha tido um desfecho abrupto, ainda assim é um filme de suma importância, tanto pelas boas atuações de Othon Bastos e Esther Góes, quanto principalmente pela abertura da caixa preta que foi a forma como o presidente foi cuidado pela equipe médica, quando o desencontro de informações da época era muito pouco reconfortante. A impressão que se dava é que toda a sonegação de informações era típica daqueles anos de censura e era algo muito normal naquele contexto, uma coisa que assusta hoje em dia, mesmo com o mar de fake news que presenciamos. Vale a pena dar uma conferida nos DVDS da vida ou nos canais especializados.