Nunca tinha assistido ao filme “Os Bons Companheiros”, de Martin Scorsese. Pensei que poderia fazer isso no início do ano com a mostra que o cineasta ítalo-americano recebeu no CCBB. O problema é que várias sessões eram gratuitas e lotavam rapidamente. Isso foi não só decepcionante como também aumentou ainda mais a minha curiosidade pelas lacunas na minha vida de cinéfilo em relação a Scorsese, que sempre admirei muito. Aí, aparece uma sessão salvadora de “Os Bons Companheiros” no Cinemark do Botafogo Praia Shopping às… onze e meia da noite de sábado. Meu sangue cinéfilo foi mais forte do que o medo de esperar o ônibus de madrugada na rua (ainda não me relaciono bem com uber, 99 e afins) e fui para a sessão.
Quais são as impressões do filme? Scorsese consegue traduzir bem todo um mundo voltado para o crime e a intransigência dos gangsters ítalo-americanos de Nova Iorque. Sabemos muito bem que o diretor teve uma infância e adolescência nos bairros onde tais gangues viviam e atuavam, sendo então seu relato altamente confiável sobre a questão e duas coisas assustam logo de início: o poder descabido que os criminosos tinham nas mãos, exercendo-os sem limites e espezinhando todos os que encontravam pela frente; e uma banalização visceral da violência, onde a vida não valia rigorosamente nada. Isso sem falar do código de conduta onde ninguém sabe de nada, nem fala de nada (qualquer semelhança com países sul-americanos não é mera coincidência, já que a violência é um fenômeno global).
Usando o personagem Henry Hill (interpretado por Ray Liotta) como o protagonista narrador e anfitrião que nos apresenta a esse mundo, o filme mostra, de forma muito crua, como os gangsters repudiavam a vida daqueles que buscavam seu pão com o suor do dia-a-dia e subiam num pedestal magnânimo que dizia que, se eles quisessem algo, era só ir lá e tomar, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.
Scorsese conta com um elenco simplesmente fenomenal. Sempre achei Ray Liotta um ator mais ou menos, o eterno bom coadjuvante que faz bem o seu feijão com arroz. Mas aqui em “Os Bons Companheiros” ele é alçado à condição de um protagonista que conta em primeira pessoa (o que dá a seu personagem uma intimidade maior com o público) toda a sua trajetória, o que justifica o porquê dele ter entrado naquela vida, com direito aos estranhamentos e questionamentos que toda aquela violência explícita provocava. Apesar de imerso em toda aquela podridão do submundo, a gente torce por seu personagem, pois ele, na condição de um capanga bem posicionado, não era o responsável direto pelas ações mais bárbaras das quais tomava parte.
Já Robert De Niro foi impressionante, pois ele, que estamos acostumados a ver iluminado pelos holofotes, atuou como um verdadeiro coadjuvante de luxo no filme, fazendo isso com muita maestria. Seu personagem James Conway, de histórico violento, não expressava a selvageria o tempo todo, mas ele podia ser muito intenso e cirúrgico nos momentos certos, o que despertava muito medo dele. Agora, o grande nome do filme (e que ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante) é, definitivamente, Joe Pesci. Seu personagem Tommy DeVito era um verdadeiro psicopata, sempre prestes a explodir. O cara poderia estar conversando alegremente na mesa de um bar, contando piadas homéricas que levavam a muitas gargalhadas e, de uma hora para a outra, executar o garçom com muitos tiros e acesso de ódio. Sua atuação foi toda merecedora do Oscar que ganhou.
Assim, “Os Bons Companheiros” é um daqueles filmes para se ver, ter e guardar. Ele retrata de uma forma muito intensa o submundo que fazia parte da infância e adolescência do diretor Martin Scorsese. Um submundo violento, que tem muitas semelhanças com o submundo que é caro para nós, embora as diferenças se façam presentes (há um clima paternalista e familiar, típico da máfia italiana). Para quem não viu, como eu não tinha visto, é algo realmente imperdível. Vejam, abaixo, um trecho da magnífica atuação de Joe Pesci.