Batata Movies – Fúria Em Alto Mar. Requentando A Guerra Fria.

Cartaz do Filme

Mais um blockbuster de ação. “Fúria em Alto Mar” é estrelado por Gerard Butler e Gary Oldman, sendo um filme que podemos dizer que volta a usar a surrada e batida temática da Guerra Fria, mesmo que o socialismo já tenha desaparecido da Rússia há décadas. Só essa informação já parece desqualificar a película num primeiro momento. De qualquer forma, e já esperando um pouco o que iria encontrar, fui ver o filme quando ele passou no ano passado (agora só nos DVDs ou canais especializados).

Bons atores no filme…

O plot do filme é muito simples. Num jogo de gato e rato entre submarinos russos e americanos em águas russas, um submarino americano e outro russo são atingidos sabe-se lá pelo que e afundam. O governo americano, então, envia outro submarino, capitaneado por Joe Glass (interpretado por Butler). Será apenas o início de uma missão onde Glass terá que, simplesmente, impedir uma tentativa de golpe na Rússia e, por tabela, a Terceira Guerra Mundial Ou seja, os americanos, com seu intervencionismo cowboy, mais uma vez salvarão o dia e a humanidade, pois são os mocinhos do pedaço (eu disse que era um tema muito batido).

Glass, um comandante que tem atitudes impetuosas…

De qualquer forma, a película é um prato cheio para quem gosta de uma trama regada a suspense e a ação numa pegada altamente militarista, sem falar que filmes que têm submarinos como personagens sempre têm uma tendência a serem bons, pois a situação angustiante de tudo aquilo começar a ficar cheio d’água e todo mundo morrer afogado naquele ambiente altamente claustrofóbico introduz um elemento de tensão a mais no filme que já está embebido geralmente pelo stress de uma batalha. Um ponto a favor é que as cenas de ação se focam mais nas estratégias de batalhas dos submarinos, do ato de se desviar de minas e torpedos, até de mísseis, configurando-se na parte mais interessante da película.

Filme tem seus momentos de tiroteios bem cowboys…

Não que as cenas de tiroteios com armamentos pesados tenham faltado, mas elas acabaram sendo um tanto secundárias em relação ao protagonista principal, o submarino em si. Para tirar da boca o gosto ácido de uma guerra fria requentada, a gente também vê os americanos e russos trabalhando em equipe em algumas partes da história, sobretudo a parceria entre Glass e o capitão Andropov (interpretado por Michael Nyqvist, já falecido), onde os dois personagens se trataram de uma forma muito respeitosa. Tal detalhe realmente é de grande valia num filme que ainda insiste com as velhas estrelas vermelhas nos aparatos militares de uma Rússia já capitalista.

Um suposto respeito entre americanos e russos…

assim, “Fúria em Alto Mar” é mais um filme de ação e entretenimento que segue uma linha um pouco mais militarista, saudosa da Guerra Fria, mas que consegue amenizar as hostilidades entre antigos rivais com uma espécie de trabalho em conjunto entre russos e americanos para evitar um golpe de estado na Rússia. Gererd Butler, o produtor do filme, consegue ser um capitão austero, mas que quebra regras, para desespero da tripulação. E Oldman, apesar de aparecer pouco, está muito bem como o militar da Velha Guarda que ainda pensa como nos anos mais severos das hostilidades entre as duas superpotências. Um filme para distrair a cabeça e nada mais.

https://www.youtube.com/watch?v=N_Iw-s3wewY

Batata Movies – O Poder De Diane. Uma Barriga De Aluguel E Um Eletricista.

Cartaz do Filme

Mais uma produção francesa. “O Poder de Diane” (“Diane a les épaules”) é uma comédia levinha e despretensiosa que tem uma barriga de aluguel, um casal gay e um eletricista. Como eles interagem? A barriga de aluguel é da Diane em questão (interpretada por Clotilde Hesme). Ela engravidou para dar a criança para o casal composto pelos músicos Thomas (interpretado por Thomas Suire) e Jacques (interpretado por Grégory Montel).

Diane, uma mulher num turbilhão de emoções…

Enquanto passa pela gravidez, Diane procura reformar a casa dos avós para poder vendê-la. Para isso, ela vai contar com a ajuda do eletricista italiano Fabrizio (interpretado pelo bom ator Fabrizio Rongioni, de “La Sapienza”). Os dois começam um namoro, com bons e maus momentos, enquanto o casal de músicos está em turnê no Japão. Quando eles retornam, passam a fazer parte do cotidiano do outro casal, o que acrescenta mais alguns elementos meio que tragicômicos à película que se intitula uma comédia, embora o filme tenha mais a cara de um drama leve e uma história relativamente divertida (mas também tensa) sobre relações humanas.

Gerando um filho para um casal gay…

O filme procura adicionar esses elementos (a já citada barriga de aluguel, o casal gay e o eletricista hetero) de uma forma um tanto engraçada, mas a coisa parece não decolar muito. Ou seja, o filme até te entretém e prende sua atenção, mas não apresenta nada de muito espetacular que valha a pena o ingresso. É uma história com suas graças e suas tensões, mas fica somente nisso.

Um namoro com um eletricista…

O elenco também tem uma atuação mediana. Clotilde Hesme, que interpreta a protagonista, faz uma Diane meio louca de pedra, meio sensível. O filme acaba girando em torno da moça, mas sem muita convicção. Fabrizio Rongione, talvez o ator mais conhecido do staff, fica um pouco deslocado como o eletricista que pisa em ovos, dada a situação delicada de sua namorada. Já os atores que interpretam o casal gay têm algumas tiradas um tanto cômicas, mas nada além disso.

Vai ser um relacionamento difícil…

Como se pode ver, “O Poder de Diane” não é um filme que se tenha muito o que dizer. Uma comédia que tem três elementos (a barriga de aluguel, o eletricista e o casal gay) que poderiam ter sido mais bem aproveitados e interligados. Um elenco cujas atuações foram medianas e um desfecho que poderia ter sido mais interessante se não buscasse uma possibilidade para um “happy end”. Um programa para simples e mero entretenimento. Nada mais.

Batata Movies – A Revolução Em Paris. Didático No Factual.

Cartaz do Filme

Dentro do Festival Varilux de Cinema Francês 2019, tivemos o excelente “A Revolução em Paris”, um drama histórico sobre a Revolução Francesa. Foi feito um filme bem didático, privilegiando a parte factual da coisa. Como a Revolução Francesa é um assunto extenso, que durou vários anos, privilegiou-se o recorte temporal que foi da Queda da Bastilha à execução de Luís XVI na guilhotina.

Françoise, a personificação de Marianne…

Para quem já se esqueceu das aulas de História, vai aqui um plot histórico rápido. A situação da França no fim do século XVIII era de crise profunda. Famílias inteiras passavam muita fome devido à situações como enchentes, nevascas e secas. Como se isso não bastasse, ainda tinham que pagar impostos pesados para que o rei desse privilégios para a nobreza feudal e o clero. Houve uma convocação da Assembleia dos Estados Gerais, onde o rei ouvia sugestões do clero, da nobreza e do Terceiro Estado. Essa última classe social consistia no grosso da sociedade e foi sugerido por ela que clero e nobreza pagassem impostos, mas essas duas classes se negaram a isso.

Um Luís XVI muito blasé…

Assim, o Terceiro Estado se intitulou Assembleia Nacional e se reuniu em separado para escrever uma Constituição para a França, numa clara afronta ao poder real, já que um rei absolutista colocado no trono por Deus teria que obedecer um conjunto de leis criado pelos súditos. Com isso, o rei decide dissolver a Assembleia Nacional, mas esta contra-ataca com a ajuda do povo mais pobre dos meios urbanos (“sans-culottes”; esse termo é utilizado, pois as pessoas não tinham dinheiro para comprar as caras calças culottes, que tinham uma folga no quadril) e destroem a Bastilha, uma prisão para os opositores do rei. Além disso, obrigam Luís XVI a sair de Versalhes e se estabelecer em Paris.

Os “sans-culottes”…

A Assembleia Nacional, enquanto redige a Constituição, também redige a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, um conjunto de ideias Iluministas que são a base dos atuais Direitos Humanos. Mas a França está sob ataque dos outros países absolutistas da Europa, que temem que as ideias revolucionárias se alastrem pelos seus territórios.O próprio rei da França, Luís XVI, participa, às escondidas, dessa conspiração e é descoberto, sendo condenado por alta traição e guilhotinado.

Robespierre, verborrágico e sereno…

Vemos todos esses momentos e mais alguns dados factuais que ajudam a rechear todo o contexto durante a exibição da película, que mostra, também, outras curiosidades. Em primeiríssimo lugar, esse é um filme que fala da Revolução do ponto de vista dos “sans-culottes” que, segundo a película, aparentavam ter uma vida política muito mais ativa do que se pensava, com direito até a parlamentar com os deputados da Assembleia Nacional, cuja relação era conflituosa pois os “sans-culottes” eram vistos como escória da sociedade até por alguns segmentos mais conservadores da Revolução como os girondinos, colocados à direita da Assembleia.

O cartaz do Festival Varilux desse ano…

Por outro lado, os jacobinos, colocados à esquerda, primavam pelas pautas sociais, até para que não houvesse uma revolta generalizada da população e a Revolução perdesse o controle, indo de Danton, passando por Robespierre (interpretado por Louis Garrel) e chegando a Marat (interpretado por Denis Lavant), o mais radical de todos. Logo, vemos que os revolucionários não eram exatamente um grupo coeso e houve vários conflitos entre eles dentro de todo o processo.

Marat (com um pano na cabeça). O mais inflamado…

O que podemos falar dos atores? Dentre os acima citados, Garrel fez um Robespierre altamente sereno e verborrágico. Lavant fez um Marat bem vibrante, como não poderia deixar de ser. Mas os “sans-culottes” merecem destaque. Olivier Gourmet faz um fabricante de vidros que tinha muita consciência política mas que fica cego num dos combates populares contra setores mais conservadores da Revolução. E a belíssima Adèle Haenel faz Françoise, uma mulher do povo, praticamente uma encarnação de Marianne, o símbolo da República Francesa e o cartaz do Festival Varilux desse ano. Já Laurent Lafitte fez um Luís XVI demasiadamente blasé e que foi tratado na película mais como vítima do que como vilão. Confesso que soou esquisito isso, pois fica parecendo que os revolucionários, ao executarem o rei na guilhotina, tinham um caráter mais bárbaro e vingativo do que o ato de praticar justiça. E devemos nos lembrar sempre que a guilhotina foi uma invenção para tornar as execuções mais rápidas e indolores, pois as decapitações, antes da guilhotina, eram feitas com machados e nem sempre a cabeça saía toda logo na primeira machadada, sendo o condenado obrigado a sofrer sucessivos golpes de machado no pescoço até a cabeça se separar completamente do corpo, tornando todo o processo mais longo e bem mais doloroso.

O rei no cadafalso. Traíra!!!

Dessa forma, “A Revolução Em Paris” é um filme obrigatório que passou no Festival Varilux de Cinema Francês 2019 e que deve entrar em circuito. Vale a pena dar uma conferida, já que temos aqui uma história contada de uma forma bem didática com direito a alguns detalhes factuais que nos ajudam a entender o contexto da Revolução. Programa imperdível.

Batata Movies – Graças A Deus. Mexendo Em Feridas Do Passado Para Não Se Jogar Fora O Futuro.

Cartaz do Filme

Um bom filme francês que esteve no Festival Varilux desse ano e que entra em circuitão. “Graças a Deus”, de François Ozon, aborda um tema espinhoso que já foi tratado em outros filmes: os casos de pedofilia na Igreja Católica. Tema que é considerado tabu até hoje (no início desta película mesmo é dito que o filme é uma “história de ficção” baseada em eventos reais), sempre é importante prestar atenção em estreias de filmes que abordem essa temática, onde o cinema cumpre sua função social de denúncia. Mais uma vez, os spoilers serão necessários aqui.

Guérin. Uma vítima luta por justiça…

O filme começa com Alexandre Guérin (interpretado por Melvil Poupaud), uma vítima de abuso sexual, durante os anos de sua adolescência, do Padre Bernard Preynat (interpretado por Bernard Verley). Ele descobre que o padre ainda lida com crianças depois de muitos anos e quer pedir que a Igreja Católica o afaste dessa função. Entretanto, a instituição enrola Guerín e a coisa fica por isso mesmo, pois a vítima não pode entrar na justiça contra o religioso, pois o crime já prescreveu. Mas há outras vítimas.

François, uma abordagem mais agressiva…

François Debord (interpretado por Denis Ménochet) também foi molestado pelo padre e, no caso dele, o crime não havia prescrito. Ele não ficou tão preso aos grilhões de sua fé e denunciou o caso do padre à polícia, além de divulgá-lo na mídia. Já Emmanuel Thomassin (interpretado por Swann Arlaud), uma das vítimas mais traumatizadas e arrasadas do padre, inclusive fisicamente, acabará por ser o responsável por meter um processo no padre na justiça. De qualquer forma, a película deixa o caso em aberto em seu desfecho, pois o padre ainda não foi julgado por seus crimes e a justiça age de forma muito morosa nesse caso.

Emmanuel, o que mais sofreu…

Dá para perceber, ao ler rapidamente a sinopse da película, que a história não prioriza um protagonista em si. Na verdade, o filme é dividido em três núcleos, onde cada um deles tem o seu protagonista. Cada vítima do padre dá um passo no ato de incriminar o pedófilo. E podemos ver como pessoas de comportamentos diferentes lidam com situação tão espinhosa. Ainda, essas pessoas irão interagir e reagir de forma diferente ao fazerem parte de uma associação que irá buscar justiça no caso específico de abusos cometidos pelo Padre Preynat, o que leva a alguns desentendimentos.

Vem cá, meu filho…

Tudo isso leva à conclusão de que a Igreja Católica ainda é uma instituição que controla demasiadamente as mentes e corações dos indivíduos. Algumas vítimas faziam as denúncias pela integridade da Igreja, acima de tudo. Outros se preocupavam com a continuidade de Preynat como padre, ainda ligado a crianças. Já outros simplesmente faziam denúncias para atacar a Igreja em toda a sua hipocrisia. Agora, foi sintomática a presença de vítimas que sequer quiseram denunciar o padre, mesmo com visíveis traumas psicológicos.

O poder da Igreja sobre as pessoas, muito bem pictoricamente representado…

Assim, “Graças a Deus” foi um importante filme que denuncia um problema gravíssimo e presente da Igreja Católica que já existe há muito tempo e sempre foi tratado com muita morosidade pela instituição. E, enquanto isso, mais vidas são destruídas, pois foram violadas quando somente queriam exercer sua fé e sua espiritualidade. É um tema que sempre tem que ser revisitado e denunciado. E o cinema é uma ótima ferramenta para isso, como vemos no caso dessa película de importância fundamental.