Um filme esperado. “Yesterday”, de Danny Boyle, conta uma história engraçadinha usando como personagens principais as músicas dos Beatles. Mas o filme convida a uma reflexão bem ao estilo do “O que aconteceria se…”, da Marvel. O se aqui é exatamente o desaparecimento do sucesso dos Beatles da face da Terra. Para podermos analisar esse filme, vamos lançar mão dos spoilers.
Bem, vamos ao plot. Jack Malik (interpretado por Himesh Patel) é aquilo que chamamos por aqui de cantor de churrascaria. Ele sempre procura um lugarzinho para tocar por uns trocados, recebendo pouquíssima atenção do público, mas é estimulado pelos poucos amigos e, principalmente por Ellie (interpretada pela “Cinderela” Lily James), um misto de empresária, amiga de infância e pseudo namorada. Numa bela noite, Jack volta para casa de bicicleta e é atropelado por um ônibus enquanto há um pico de energia de dimensões planetárias. O cara vai parar no hospital sem os dentes da frente, despertando mais graça do que pena. E aí, enquanto se recupera, ganha de presente de Ellie um violão, e começa a dedilhar e cantar “Yesterday”, dos Beatles, deixando os amigos maravilhados, que perguntam que música é aquela. Vai ser nesse momento que Jack percebe que ninguém sabe mais quem são os Beatles. E aí ele aproveita a oportunidade e começa a usar as músicas dos Beatles para alavancar a sua carreira, tornando-se uma estrela mundial. O problema é que o estrelato trará algumas complicações, como, por exemplo, o afastamento de Ellie de sua vida e a distorção do uso dos Beatles em função do interesse contemporâneo pelo dinheiro.
O filme perturba a nossa cabeça, pois ele nos dá a entender que, se os Beatles tentassem a carreira hoje, eles não teriam muito espaço para algumas de suas composições, já que, nos dias atuais, há toda uma tecnologia, um imediatismo e um interesse pelo dinheiro rápido que não está em consonância com os dias mais prosaicos da década de 60. Por exemplo, o álbum “Sargent Pepper’s Lonely Hearts Club Band” foi rechaçado pelos empresários de Jack, pois era um título muito grande e complicado. E o negócio é a rápida absorção, por parte do público, das músicas para se impulsionar logo as vendas e se ganhar muito dinheiro. Vendo essa questão levantada pelo filme a gente se pergunta: e nos anos 60? O empresário dos Beatles também não estava interessado em ganhar dinheiro? É obvio que sim. Entretanto, o ritmo das coisas e as mídias eram completamente diferentes, como se elas permitissem mais brechas para uma liberdade criativa.
Uma coisa que é hilária é que os Beatles não foram os únicos a desaparecer da face da Terra. Outros ícones tais como a Coca Cola e Harry Potter também não existem mais. E quando Jack via que as pessoas não conheciam tais ícones, ele saía correndo em direção a um computador para pesquisar no Google, não encontrando os resultados corretos. Mas, uma coisa é certa: um mundo sem os Beatles era muito pior. Foi o que disseram a Jack dois fãs que ainda se lembravam dos Beatles e que lhes deram o endereço de, ninguém mais, ninguém menos do que John Lennon, que estava vivo, do alto de seus 78 anos. Jack o visitou e descobriu que, nessa realidade alternativa, John teve uma vida muito boa e uma velhice tranquila, sendo a coisa boa desse “O que aconteceria se…”. O mais impressionante foi ver o ator que interpretou John Lennon, o veterano Robert Carlyle, que já foi até vilão de filme de James Bond. O cara estava igualzinho.
Os atores foram bem. Himesh Patel convenceu com o seu tom meio abobalhado e perplexo pela situação inusitada que passava. E Lily James estava fofíssima e serelepe, muito à vontade com sua personagem Ellie. Confesso que gostei muito dela e de sua atuação, mais até do que Patel.
O filme teve um momento mais lento, justamente quando Jack tentava emplacar as músicas dos Beatles e a coisa não engrenava inicialmente. O senso comum do personagem (e o nosso) dizia que o sucesso dos Beatles era algo automático. Mas não foi. Ou seja, sempre se precisa pastar e correr atrás (como os Beatles correram), mesmo se você tem obras-primas à mão. Até elas serem reconhecidas, demora. Outro mito derrubado é o seguinte: mesmo sendo muito popular, não dá para guardar de cabeça todas as músicas dos Beatles. Jack teve que pagar um dobrado para relembrar as músicas e suas letras, agora que elas não existiam mais. Nosso protagonista, inclusive, teve que fazer um tour por Liverpool para refrescar a memória, o que foi um deleite para os espectadores, pois vários pontos turísticos de beatlemaníacos apareceram na película.
Dessa forma, “Yesterday” até não é uma coisa de se encher os olhos, mas tem os seus encantos. A gente se diverte com as músicas e com a interpretação do casal protagonista. A gente reflete sobre as chances que os Beatles teriam hoje, num mundo mais controlado pela alta velocidade da informação (olha aí mais uma vez o embate tradição-modernidade, com a primeira sendo elencada como virtuosa). Por essas virtudes, vale a pena dar uma conferida. E não se esqueça de ficar na sala durante todos os créditos finais, pois tem “Hey Jude” cantada pelo Paul McCartney.