Um filme francês provocador. “Minha Lua de Mel Polonesa”, de Elise Otzenberger, se apresenta como uma comédia mas, no fim das contas, aborda uma temática para lá de séria: a questão do esquecimento e do apagamento da memória, feito de forma muito proposital. Um filme que acaba tendo como objetivo nos colocar em estado de alerta quanto a algumas injustiças que pensamos estar enterradas há muito, mas que ainda pululam alegremente por aí. Para podermos entender melhor o filme, vamos lançar mão de spoilers.
Vamos ao plot. Anna (interpretada por Judith Chemla) e Adam (interpretado por Arthur Igual) são um casal parisiense de origem polonesa que organiza uma viagem a terra natal de seus antepassados para participar de uma celebração em nome das vítimas do holocausto. Anna tem grandes expectativas de encontrar suas raízes por lá, já que sua mãe nunca quis muito revolver o passado e isso é motivo de fortes discórdias entre as duas, com Anna tomando atitudes que beiram a histeria. Já Arthur também não dá muita ideia para o passado (o evento em que vão até tem mais ligação com sua família), mas acompanha a esposa.
Ao chegarem por lá, a decepção vai tomando conta de Anna, pois ela não consegue se satisfazer com as poucas pistas que vai encontrando sobre o passado dos judeus, além de não ter nenhuma referência sobre o próprio passado, o que entristece demais a moça. Para piorar a situação, o apelo turístico local é todo em torno da cultura judaica fazendo dobradinha com o holocausto, onde temos a inusitada situação de camelôs que vendem, ao mesmo tempo, elementos da cultura judaica juntamente com souvenirs de suásticas, algo que beira o bizarro. A situação vai ter um ponto de virada com a chegada repentina da mãe de Anna, que ajuda a filha a se encontrar com o passado da família. Entretanto, infelizmente a surpresa não será das melhores.
O filme tem violentos plot twists. No início, vemos um casal numa espécie de segunda lua de mel, onde a esposa é muito metódica e agitada, sendo engraçada e chata ao mesmo tempo. Ou seja, a personagem de Anna flerta perigosamente com a caricatura. Mas, com a chegada à Polônia e as consequentes decepções de Anna, a coisa vai mudando de figura. Para ela, não conseguir ter contato com o passado da família vai assumindo um peso doloroso e aprofunda o abismo entre ela e a mãe, que não quer desenterrar o passado. A Anna chata e caricata do início do filme dá lugar a uma Anna com a qual nos solidarizamos e compadecemos. Começamos a nos mortificar com sua tristeza que beira o paroxismo.
A chegada da mãe e a reconciliação das duas é uma grata surpresa, mas o filme nos dá outra rasteira quando as duas procuram a casa da avó de Anna e somente se deparam com um terreno baldio cheio de mato, onde será a vez da mãe de Anna se debulhar em lágrimas e ser confortada pela filha. Foi de doer testemunhar a tristeza das duas abraçadas. Agora, esses pontos de virada no filme são fundamentais para cimentar a mensagem principal: por mais que a Polônia viva do turismo do holocausto, ainda assim há um apagamento da memória da cultura judaica e de toda a tragédia ocorrida, relegando-as a um mero souvenir. Os últimos sobreviventes do holocausto estão morrendo, o cemitério judeu tem as lápides saqueadas, a Estrela de David é usada como pichação em tom ofensivo em brigas de torcida de futebol. Ou seja, não se mudou muita coisa no tratamento dos judeus do holocausto da Segunda Guerra Mundial para cá.
E Anna e sua mãe recebem a polarização de toda essa violência que a cultura judaica ainda sofre. Ao usar o recurso dos plot twists para mostrar de forma veemente esse preconceito ainda reinante, a diretora Elise Otzenberger marcou um pontaço, dando ao filme o valor do ingresso e até muito mais. Para a coisa não terminar extremamente melancólica, optou-se por um último plot twist em forma de happy end, com o casal chegando a sua casa em Paris e praticando uma tradição judaica, que foi enterrar o prepúcio do filho pequeno num vaso de flores. Se Anna queria fazer isso na Polônia, as decepções da viagem acabaram levando-a a realizar isso em Paris, cidade que a mãe e a avó escolheram para se esquecer do duro passado na terra natal.
Dessa forma, se “Minha Lua de Mel Polonesa”, num primeiro momento ao assistir o trailer, parecia uma comédia bobinha, acabou posteriormente se revelando um grande filme pelo fato dos plot twists mostrarem a questão do apagamento compulsório da memória de uma cultura que ainda sofre perseguições hoje em dia. E o mais interessante é que a dor desse apagamento se personifica nas personagens de Anna e sua mãe onde a filha, incialmente afastada da mãe por não aceitar que ela quer deixar o passado para trás, depois a entende justamente pelos males que esse passado (e o apagamento do mesmo) provocam. Programa imperdível.