Um impressionante documentário brasileiro. “Tsé”, dirigido por Fábio Kow, narra a trajetória da sua avó, a judia polonesa Tsecha Szpigel, que teve a sua família assassinada por nazistas em campos de concentração, e só não morreu, pois sua mãe a atirou do vagão do trem justamente quando as duas iam para um campo. Ainda bem pequena, a menina teve que vagar por uma Europa em guerra e escondida dos nazistas. Com a guerra terminada, ela não quer mais saber da Europa e migra para o Brasil em 1949 com o seu namorado, estabelecendo raízes e toda uma família por aqui. Vamos lançar mão de alguns spoilers para compreender melhor o documentário.
E é justamente essa família, juntamente com Tsé (o carinhoso apelido de Tsecha) a grande protagonista do filme. Vemos aqui toda uma série de depoimentos de muitos e muitos parentes, indo dos filhos, passando pelos netos e chegando até os bisnetos, tudo muito bem amarrado por Fábio Kow, que tem uma extensa memória visual de câmara VHS que ele começou a coletar quando ainda era criança, trazendo à vida muitos parentes e personagens (por que não históricos?) para os olhos do espectador em sala, num ritual que mais pareceu uma espécie de materialização de pessoas já falecidas e outras não.
O filme acaba sendo um curioso documento, não somente da história de Tsé, que é muito sofrida, mas também muito rica, assim como um documento da própria família e de como os seus entes se relacionam. Um exemplo disso é que, pouco antes de falecer, alguns parentes estavam em litígio e isso parece ter afetado muito a Tsé, que morreria logo em seguida, o que levou a uma reconciliação. A anciã e matriarca da família teria dito antes de morrer algo do tipo: “todos brigam, todos são idiotas”, numa alusão a sua própria família, mas talvez também a toda a humanidade, já que ela havia sofrido demais desolada e sozinha durante a guerra, em plena infância. Assim, apesar dos depoimentos dos familiares passarem a impressão de que tudo ia bem naquela família, as entrelinhas espelhavam conflitos, que são normais em toda e qualquer família, mas que, obviamente, não foram destrinchados, já que o documentário tinha o objetivo de traçar a trajetória de Tsé e homenageá-la.
Dessa forma, “Tsé” vale a pena ser visto, pois podemos testemunhar a trajetória de uma sobrevivente do holocausto ainda viva, uma história contada pela própria, e, ainda por cima, podemos ver também um documentário sobre a família que essa sobrevivente construiu por aqui. Vale pela curiosidade e pelo testemunho extremamente rico de Tsé.