Um bom filme histórico brasileiro. “Legalidade”, de Zeca Brito, evoca os tempos de turbulência da renúncia de Jânio Quadros e a resistência dos militares contra a posse do vice-presidente João Goulart, conhecido como Jango. Seu cunhado, Leonel Brizola, à época governador do Rio Grande do Sul, defende o cumprimento da constituição e encabeça a chamada Campanha da Legalidade, onde busca garantir a posse de Jango. Houve forte resistência por parte dos militares e até ameaças de bombardeio do Palácio Piratini, do Governo do Rio Grande do Sul. Mas Brizola (interpretado soberbamente pelo falecido ator Leonardo Machado) não perdeu a coragem e manteve a campanha de pé, assegurando a posse de Jango. O teor histórico do filme é ratificado por imagens de arquivo estrategicamente ordenadas pela montagem. Mas o filme também nos fala de outros lances interessantes como o encontro de Brizola com Che Guevara no Uruguai, algo cujo registro, se existe, é mais raro de se encontrar por aí.
O filme também tem um relacionamento amoroso, eivado de romantismo revolucionário, entre o antropólogo Luís Carlos (interpretado por Fernando Alves Pinto) e Cecília (interpretada por Cleo Pires, que agora só aparece nos créditos como Cleo), uma jornalista do The Washington Post. Há, ainda, um arremedo de triângulo amoroso onde entra o irmão de Luís, o repórter Tonho (interpretado por José Henrique Ligabue), mas o conflito é pouquíssimo trabalhado. O que é mais visto nesse filme é mesmo a relação entre Luís e Cecília, onde o antropólogo esquerdista que trabalha com índios se envolve com a correspondente que trabalha a serviço dos americanos. Cecília acaba mudando de lado e vai heroicamente com Luís para a guerrilha, desaparecendo da História junto com ele. Quem segue os passos de Cecília é, no ano de 2004, sua filha, Blanca (interpretada por Letícia Sabatella) que, ao final do filme (alerta de spoiler) se encontra com Brizola em sua fazenda no Uruguai para conversar sobre a mãe. Confesso que achei essa parte do filme um pouco entediante, sendo ficcional.
O que realmente é hipnotizante é toda a história em torno de Brizola e da resistência montada por este, a ponto de montar uma pequena estação de rádio nos porões do Palácio para transmitir a campanha e armar quem trabalhava na sede do governo. Nisso, o filme vale o ingresso, e muito. Me lembrei dos tempos em que o caudilho era governador do Rio de Janeiro e da forma corajosa (e, principalmente, muito engraçada) com a qual ele era implacável com seus adversários políticos. É uma figura que faz muita falta hoje, nesses tempos tão sombrios. Pelo menos esse filme, pouquíssimo divulgado por sinal, traz de volta a memória e a combatividade dessa figura pública que, se tinha seus defeitos (gostava de concentrar muito poder em torno de si), era também eivado de muitas virtudes (pensava com sinceridade nos menos favorecidos, até por sua origem humilde, e foi uma das pessoas mais corajosas que vi), combatividade essa extremamente necessária nos dias de hoje e que, com o exemplo de Brizola, mostra ser perfeitamente possível.
Dessa forma, “Legalidade” é um programa imperdível e obrigatório, não somente por sua importância como documento histórico inspirador, mas também por sua cinematografia muito bem cuidada, com bons atores (como eu lamentei saber do falecimento de Leonardo Machado!) e suas imagens de arquivo, muito bem montadas na narrativa. Assistir a esse filme chega a ser uma missão cívica.