Um curioso filme brasileiro. “Hebe, A Estrela do Brasil” traça a trajetória da apresentadora Hebe Camargo nos difíceis anos da redemocratização brasileira, quando a censura ainda dava o ar da sua (des) graça e a sociedade machista da época não engolia de jeito nenhum as atitudes altamente afrontosas e provocativas da celebridade televisiva, que não tinha papas na língua e fazia de tudo para se impor, custe o que custasse. Para podermos entender o filme, vamos precisar de spoilers aqui.
Em primeiro lugar, foi elencado um recorte temporal, que mostra os anos de Hebe na TV Bandeirantes e, posteriormente, os primeiros anos de seu programa no SBT. Assim, podemos esquecer, pelo menos por aqui, sua infância e velhice. O filme realmente se debruçou mais nas querelas que ela teve com a censura, onde os censores não engoliam a participação de performers ou transexuais em seu programa (a apresentadora já utilizava esses termos na época, numa prova de que ela estava realmente à frente de seu tempo). Hebe (magistralmente interpretada por Andréa Beltrão) tinha discussões fortes com Walter Clark, pois este último tinha que pisar em ovos com os censores enquanto que a apresentadora conduzia seu programa como queria na TV. A gota d’água foi um programa onde Dercy Gonçalves e Roberta Close apareceram juntas e a atriz veterana mostrou os seus seios ao vivo. Cansada de tantas pressões, Hebe pediu demissão em pleno programa, causando comoção geral. Mas, em pouco tempo, ela seria contratada por Silvio Santos (interpretado de forma surpreendente por Daniel Boaventura) e voltou aos holofotes, não sem provocar novos problemas, agora criticando “alguns” políticos do Congresso Nacional, o que quase lhe custou uma prisão.
Uma coisa tem que ser dita aqui com todas as letras. Esse talvez tenha sido o melhor trabalho da carreira de Andréa Beltrão. Nós, os velhos dinossauros, sempre tivemos um carinho enorme por essa atriz em virtude de sua personagem Zelda Scott em “Armação Ilimitada”. Mais recentemente, ela se destacou como a Marilda de “A Grande Família”. Mas seu talento explodiu todas as escalas em “Hebe”. Dá para perceber como a atriz estudou a fundo sua personagem. Tão a fundo que a gente via a Hebe na nossa frente em todos os seus trejeitos, mesmo com Andréa Beltrão não se parecendo em nada com ela fisicamente. Foi algo semelhante ao que aconteceu com Rami Malek em “Bohemian Rhapsody”, mas muito, muito melhor. Beltrão conseguiu mostrar com perfeição os dois lados de Hebe Camargo: aquele lado que a gente conhece, da mulher comunicativa, extremamente simpática e combativa, desafiando a tudo e a todos e se impondo em toda a sua plenitude; e um lado extremamente frágil, onde ela poderia ter crises de choro ao ver uma crítica negativa sua na televisão ou ser tratada com violência pelo seu marido em crise de ciúmes (também magistralmente interpretado por Marco Ricca, um ator que funciona enormemente bem no cinema). Ou seja, é um filme que foi além da celebridade, que abordou também a figura humana, com todas as suas fraquezas.
Apesar da película mostrar uma Hebe combativa e perseguida pela censura, o filme não fugiu da polêmica e lembrou do apoio da apresentadora a Paulo Maluf, conhecido pelas acusações de corrupção. Nesse momento a gente não pode se esquecer de falar da ótima atuação de Caio Horowicz como Marcelo, o filho de Hebe, sempre uma companhia afetiva e próxima da mãe, que não concordou com esse apoio dela a Maluf e abandona o jantar em que a mãe estava com o político para passar o natal com os empregados da casa a quem tratava com muita amizade, amor e carinho, sendo esse um aspecto muito legal do filme, embora o filho de Hebe tenha dito que não fazia festa com os empregados, apesar de ser próximo deles. Não podemos nos esquecer também da boa atuação de Danton Mello, que fazia o sobrinho de Hebe, uma espécie de braço direito da apresentadora.
Assim, “Hebe, A Estrela do Brasil” é um programa imperdível que nos ajuda a desmistificar e entender um pouco mais parte da trajetória dessa grande celebridade da mídia que tivemos e que agora podemos conhecer um pouco mais. Vale muito a pena dar uma conferida, principalmente pelo trabalho majestoso de Andréa Beltrão.