Vamos hoje recordar mais uma vez das sessões do Cineclube Sci Fi do Conselho Jedi do Rio de Janeiro realizadas no Planetário da Gávea. Certa vez, foi exibido o importante filme “Contato”, estrelado por Jodie Foster e Matthew McConaughey. E por que essa produção de 1997 dirigida por Robert Zemeckis é tão cheia de relevância? Justamente porque se trata de um filme de ficção científica com F maiúsculo, tratando o tema da busca por inteligência extraterrestre de forma sóbria e refinada, sem arroubos de ação ou aventura, como vemos na maioria dos filmes que tratam desse tema. A história dessa película é inspirada no livro homônimo do astrônomo Carl Sagan, famoso na década de 1980 por trabalhar com divulgação científica, produzindo e protagonizando a série de TV “Cosmos”, exibida por aqui pela Rede Globo.
No que consiste a história? Temos a astrônoma Eleanor Arroway (interpretada por Jodie Foster), que tem como objetivo principal em sua carreira buscar inteligência extraterrestre analisando os sinais de rádio emitidos pelos corpos celestes. Ela tem o hábito da comunicação por rádio desde criança, quando operava um rádio amador de sua casa, estimulada pelo pai Ted (interpretado por David Morse), que recebera a recomendação de estimular as aptidões da menina para matemática, física e ciências, após esta passar por um teste vocacional. Mas Eleanor vai sofrer todos os preconceitos da comunidade científica, principalmente na figura de David Drumlin (interpretado por Tom Skerritt), que vê o projeto de Eleanor com ceticismo e até zombaria, cortando todos os apoios financeiros e governamentais que pode e não pode. Mas, um belo dia, no Very Large Array, um conjunto de Radiotelescópios instalados no Novo México, Eleanor finalmente detecta sinal de vida inteligente, situada na estrela Vega, a 26 anos-luz de distância da Terra. Inicialmente, era um sinal que continha uma sequência de números primos, mas que possuía outras informações também. Havia a primeira transmissão de TV feita pelo homem, um discurso de Adolf Hitler na abertura dos Jogos Olímpicos de 1936, que essa inteligência alienígena captou e retransmitiu para a Terra com um ruído implícito, que era constituído de esquemas tridimensionais para se montar uma máquina que fizesse viagens pelo espaço através de “buracos de minhoca”, que são “atalhos” na estrutura espaço-temporal.
Obviamente, a essa altura do campeonato, Drumlin esqueceu seu ceticismo e, com seu poder e influência, tomou as rédeas do projeto, colocando Eleanor para escanteio. Mexendo seus pauzinhos e, usando um discurso que agradava a gregos e troianos, convenceu uma comissão de que ele era a pessoa mais indicada para fazer a viagem. Só que um fanático religioso cometeu um atentado terrorista e explodiu toda a máquina, provocando a morte de Drumlin. Tudo estaria perdido não fosse a intervenção do grande magnata Hadden (interpretado magistralmente por John Hurt), que já vinha dando amparo financeiro a Eleanor e que tinha construído outra máquina igual na ilha de Hokkaido com a ajuda de empresas japonesas, devidamente compradas por ele. E aí, nossa Eleanor, a descobridora do sinal e que fora colocada à margem do projeto por querelas políticas, vai fazer a viagem para encontrar a espécie alienígena em questão.
Ufa! Que história, não? Só essa pequena sinopse já mostra que o filme vale a pena. Mas a película tem outras grandes virtudes. Não falamos do personagem de Matthew McConaughey ainda. Ele é Joss, um homem de formação religiosa, que é uma espécie de conselheiro espiritual do presidente Bill Clinton. E iniciará um “affair” com Eleanor, uma mulher de ciência que não crê em Deus. Logo podemos perceber o velho embate ciência X religião nesse casal e ao longo do filme. Mas essa discussão, ao contrário do que pode parecer, não é feita de forma dicotômica e simplória. Ela é cheia de matizes, pois Joss representa a visão do religioso com suas convicções a respeito de Deus, mas tolerante com o discurso científico, ao contrário do fanático religioso que explodiu a máquina por rechaçar totalmente a ciência (aliás, esse fanático religioso estava a cara do ator alemão Klaus Kinski, que fazia apresentações teatrais dizendo que era Jesus Cristo e que respondia enfurecido às provocações da plateia que o questionava se ele era mesmo Jesus ou não, sendo um grande sucesso, mas isso é outra história). É bem claro que a notícia do conhecimento da existência da inteligência extraterrestre provocou uma polvorosa e tanto. E aí, ficou a questão de quem seria a pessoa mais adequada para fazer a viagem. Eleanor era uma das candidatas, mas foi reprovada, pois não acreditava em Deus, algo em que 95% da população mundial acreditava, não sendo considerada, portanto, uma boa representante da raça humana
Só para colocar um pouco mais de pimenta na discussão, Joss fazia parte da comissão e fez a Eleanor a pergunta de se ela acreditava em Deus, que foi decisiva para sua eliminação. Mas Joss fez tal pergunta, pois ele amava Eleanor e temia que ela jamais voltasse. Aliás, Joss ficou assustado com a entrega de Eleanor ao projeto, chegando ao ponto de aceitar a possibilidade de sacrificar a própria vida em prol da ciência. Aqui, esse comportamento extremo de Eleanor também é visto em alguns grupos fundamentalistas religiosos, só para percebermos como a discussão do filme é rica nesse ponto
Mas como era dito naquela antiga propaganda de facas na tv, “e não é só isso!”. O filme vai mais além nessa questão. Eleanor faz a viagem, vê todos os buracos de minhoca do mundo, vai para Vega e além dos limites da galáxia, onde se encontra com uma suposta entidade alienígena travestida de seu pai, numa reprodução de uma praia em Pensacola, Flórida, com quem ela tinha tido um contato de rádio amador quando criança. Toda essa montagem foi feita, segundo o “pai alienígena” para tornar a coisa mais familiar. Para Eleanor, a experiência, além de científica, foi também pessoal, pois o pai havia morrido quando ela era apenas uma garotinha e ela tentava se comunicar com o pai morto no radio amador.
O grande problema foi que toda a estação de comando da máquina não viu nada disso e Eleanor não trouxe provas concretas de sua viagem, já que sua câmara e sistema de áudio só trouxeram estática gravada. Assim, ficou o discurso dela contra o discurso de quem testemunhou a viagem “de fora”. E aí, a situação se inverteu: assim como Eleanor antes não acreditava em Deus, depois da viagem muitos não acreditavam no que Eleanor dizia. Mas ainda assim, parte do povo acreditou na cientista e passou até a vê-la como uma figura messiânica, como ficou registrado na comovente sequência após o depoimento de Eleanor no Congresso, onde uma multidão a aguardava, com direito até a crianças com doenças graves a esperando para receber uma espécie de “benção”, para a perplexidade total da cientista. Nessa hora, ficaram as sábias palavras de Joss, onde ele disse à mídia que não tinha as mesmas visões de mundo de Eleanor (a científica), mas tanto ciência quanto religião buscavam a verdade e que ele acreditava nas palavras de Eleanor, dando um bonito desfecho para a película.
Uma outra curiosidade foi a participação de medalhões da imprensa no filme como o apresentador Jay Leno ou o Repórter Bernard Shaw, que cobriu a guerra do Iraque, o que deu um certo tom de realismo e autenticidade à história. O próprio presidente dos Estados Unidos na época, Bill Clinton, gravou algumas sequências discursando para o filme, assim como teve sua imagem implantada em CGI com alguns membros do elenco. Aliás, falando em CGI, algo que muito chamou atenção na época em que o filme foi feito foi a sequência inicial, onde “saímos” do planeta Terra juntamente com os sinais transmitidos pelos humanos indo até para fora de nossa galáxia. À medida que nos afastamos do planeta, os sinais falam de situações que estão cada vez mais no passado (os sinais mais antigos já viajaram uma distância maior), até que eles emudecem, após o discurso de Hitler nos Jogos Olímpicos de Berlim, o primeiro sinal a sair da Terra em 1936 e que já viajou a maior distância. A única crítica que pode ser feita a essa belíssima sequência inicial é a respeito dos sinais da década de 1960 que eram escutados no filme nas proximidades de Júpiter e Saturno, quando sabemos que tais sinais só demoram algumas horas para chegar a esses planetas. De qualquer forma, nada disso alterou a beleza e plasticidade da coisa.
Uma questão pode ser levantada aqui. Como seria uma comunicação entre extraterrestres e nós? Tal situação de comunicação descrita no filme seria verossímil? Leonard Nimoy (sempre ele) ao elaborar a história de “Jornada nas Estrelas IV, A Volta Para Casa”, discutiu com alguns cientistas especializados em pensar tais questões como seria uma suposta comunicação entre humanos e ETs. Um deles lhe disse que essa comunicação poderia ser impossível, já que o desenvolvimento de uma espécie alienígena poderia ser tão diferente da nossa que as visões de mundo, as redes neurais, os sistemas de linguagem seriam tão dispares que impossibilitariam qualquer comunicação. E os alienígenas do filme se comunicam por números primos, que faz parte de uma linguagem matemática desenvolvida na Terra. Após a exibição do filme no cineclube, houve um debate com o astrônomo Alexandre Cherman, que defendeu a ideia de que uma comunicação entre alienígenas e terrestres com números primos é algo altamente plausível, dada a peculiaridade desses números (só são divisíveis por eles mesmos e por um) e que essa ideia vale para qualquer lugar do Universo, sendo um sistema de comunicação altamente inteligível e eficiente. Luísa Clasen, a outra palestrante, especializada em Cinema e Vídeo, levantou uma hipótese interessante: mesmo sendo uma espécie alienígena altamente diferente da nossa, ela pode ter estudado os sinais terrestres e entendido um pouco mais as nossas formas de pensar e se comunicar.
Após essas linhas, podemos perceber a grande qualidade que o filme “Contato” tem. A melhor expressão do bom cinema, do filme que faz pensar sobre questões tão atuais, mesmo tendo sido feito há quase vinte anos. Quem ainda não conhece essa película já tem bons motivos para procurá-la. Um excelente programa para quem gosta do cinema como pura expressão de arte.
Luisa Clasen, palestrante