Imagine uma nova versão para a Branca de Neve, onde a frágil mocinha é toureira na Espanha da década de 1920. E tudo isso num filme em preto e branco e mudo!!! Só de pensar, dá para arrepiar!!! E foi isso que aconteceu no excelente “Blancanieves”, de Pablo Berger. Um filme lindo de morrer toda a vida! Obra de arte em toda a maravilha e contraste do preto e branco.O filme começa com o grande toureiro, Antonio Villalta (interpretado por Daniel Giménez Cacho) que sofre um acidente na Praça de Touros perante sua esposa grávida, a belíssima Carmen (interpretada por Inma Cuesta) e sua sogra Doña Concha (interpretada por Angela Molina). Villalta fica tetraplégico e Carmen morre no parto. A filha, Carmencita, passa a ser criada pela avó, enquanto que o pai fica sob os cuidados da perversa enfermeira Encarna (interpretada por Maribel Verdú).
A avó de Carmencita morre numa dança espanhola e Carmencita irá para a casa do pai e será severamente tripudiada por Encarna, que será a madrasta e fará muitas maldades, como servir o galo de estimação de Carmencita no jantar e proibir a menina de ver o pai. Mas Carmencita irá se encontrar com o pai às escondidas. Ao descobrir os encontros, Encarna mata também Villalta, atirando-o escada abaixo com cadeira de rodas e tudo. Não satisfeita, Encarna também irá mandar seu amante estrangular e matar Carmencita, já crescida (interpretada por Macarena Garcia). Mas ela será salva por sete anões que têm uma trupe mambembe de toureiros. Com amnésia, Carmencita passa a viver com os anões e viaja com a trupe. Com o tempo, ela vai mostrando seus dotes de toureira que aprendeu com o pai e passa a fazer parte das apresentações do grupo, sendo contratada por um empresário para fazer touradas na Praça de Touros em Sevilha. Mas um dos anões não gosta de Carmencita e troca as placas dos touros para que Carmencita pegue um touro muito perigoso e violento.
Carmencita se lembrará de tudo ao encarar o touro e consegue dominá-lo. O mais interessante é que o público pediu para o touro não ser sacrificado, balançando lenços brancos (sinal dos tempos, matar touros em touradas, uma espécie de farra do boi de luxo, é considerado algo politicamente incorreto nos dias de hoje). Carmencita é ovacionada pela plateia aos olhares malignos de Encarna, que a descobriu, pois a moça foi destaque na mesma revista que havia feito um ensaio fotográfico com Encarna, mas a colocou numa posição secundária na revista para que Carmencita tivesse destaque. É na arena que a madrasta oferecerá a maçã envenenada e matará Carmencita. Perseguida pelos anões, Encarna se esconderá no estábulo dos touros e será morta por um deles.
E o príncipe encantado não aparecerá! O cadáver de Branca de Neve se tornará uma atração de parque de diversões, onde as pessoas (homens e mulheres!) a beijarão por dez centavos para ver se ela acordará ou não. Em alguns casos, o cadáver é devidamente “levantado” para caracterizar um suposto milagre. O filme termina com o cadáver de Branca de Neve sob os olhos afetuosos de um dos anões que se apaixonou por ela e cuida de seu corpo, passando o batom após a romaria de beijos e penteando carinhosamente seus cabelos.A história não poderia terminar de forma melhor, sem happy end, de forma extremamente melancólica, o que destoa fortemente da vigorosa e dançante cultura espanhola, que permeia todo o filme de forma extraordinária. O preto e branco realça os contrastes da imagem e torna os closes e olhares muito expressivos e fortes, dando uma sublime plasticidade à fotografia, plasticidade essa ressaltada pelos lindos cenários e figurinos, onde os contrastes de claro e escuro lembram os melhores filmes expressionistas alemães.
A linguagem do cinema mudo também é de se deliciar. Vemos toda a maldade de Encarna na materialidade das imagens, sem a necessidade de um intertítulo sequer. As interpretações de alguns figurantes são antinaturais, contrastando com as interpretações mais elegantes e contidas dos protagonistas, à exceção de Encarna, que volta e meia, exagera para mostrar toda a sua perniciosidade e futilidade.
Assim, essa nova versão de “Branca de Neve” à espanhola é uma grata surpresa, num filme bem ao estilo de “O Artista”, que tanto sucesso fez há alguns anos.