Uma co-produção Argélia/França/Bélgica perturbadora. “Papicha” é mais um filme sobre mulheres. Mais um filme da luta feminina por espaço numa opressão machista com a explosiva combinação da religião. Um filme que revolta. Um filme baseado numa história real, o que aumenta ainda mais a indignação. Para podermos analisar essa película, vamos precisar de spoilers.
O plot se passa na Argélia de 1990, quando grupos islâmicos radicais começam a tomar conta de um país que era acostumado a viver com uma liberdade ocidentalizada. Nedjma “Papicha” (interpretada por Lyna Khoudri) é uma moça que estuda francês na Universidade e gosta muito de desenhar roupas, ou seja, seu sonho é ser estilista. Nedjma tem uma vida feliz com suas amigas, a maioria delas com um jeito de vida liberal e ocidentalizado. Mas, à medida que os grupos islâmicos que vão tomando conta do país aumentam sua área de atuação, a repressão contra as mulheres vai se tornando cada vez mais insuportável, ao ponto de a irmã de Papicha, que sempre a encorajou a ser estilista, ser assassinada por uma mulher radical. A reação de Papicha é organizar um desfile de moda, fazendo hijabs (os véus que cobrem as mulheres de cima a baixo, impostos pelos radicais) com um corte moderno mais agressivo. Mas a moça irá passar por muitos empecilhos para garantir sua empreitada.
A diretora e roteirista Mounia Meddour consegue fazer um trabalho magnífico, pois ficamos profundamente indignados com a violência e a opressão que uma interpretação ultrarradical da religião pode proporcionar contra um grupo de jovens moças que somente aspiram a ter uma vida feliz. Meddour faz questão de mostrar que o machismo latente e violento não é algo somente atribuído aos varões, mas também a mulheres de uma vertente mais tradicionalista perseguem as moças que querem organizar o desfile. O clímax da história é extremamente chocante e traumatizante, dando ao espectador uma sensação de profunda impotência e desesperança, restando ao final simplesmente juntar os cacos e retomar a vida como se pode num ambiente hostil, opressor e muito violento. Não podemos deixar de falar aqui da atriz Lyna Khoudri, que fez uma Papicha adorável mas também muito forte, onde seus gritos explosivos eram uma manifestação voraz e paroxista de todo o seu sofrimento e indignação com a forma como as mulheres eram tratadas em seu país. Era algo que doía profundamente no espectador e a gente imediatamente compra a personagem.
Dessa forma, “Papicha” é mais um daqueles filmes fundamentais, que sempre devem ser lembrados e jamais devem ser esquecidos. Mais um filme onde o cinema cumpre sua função social de denúncia das muitas injustiças que perambulam pelo mundo. Um filme que nos torna mais humanos ao compartilhar a dor de mulheres que vivem num país tão distante e oprimido. Um programa imperdível e um filme para ver, ter e guardar.