Mais um importante filme do Festival do Rio 2019. “Son Mother” é uma co-produção Irã/República Tcheca de 2019 dirigida por Mahnaz Mohammadi. Vista como persona non grata pelo governo iraniano, ficando até presa por um período, Mohammadi é contundente com a religiosidade e as tradições iranianas no que tange aos vários problemas e dilemas que ela pode trazer para as pessoas. E isso se manifesta de forma notória em sua filmografia, como podemos ver nesse filme. Já falei em resenhas pregressas de como um certo preconceito burro contra o cinema iraniano tirou essas películas de nossas salas e de como o Festival é uma das poucas oportunidades de termos contato com o cinema iraniano novamente, cinema esse que rendeu dois Oscars de Melhor Filme Estrangeiro em poucos anos e que ainda é visto de forma muito injusta por aqui. Vamos lançar mão dos spoilers.
O plot é o seguinte. Leila (interpretada por Raha Khodayari) é uma viúva com dois filhos pequenos, um menino e uma menininha. Ela trabalha numa fábrica e é vista com preconceito pelos homens da fábrica, sendo destratada por eles e recebendo severos pitos de seu patrão. Ao mesmo tempo, um dos motoristas de van da fábrica que transporta os empregados, Kazem, propõe casamento para a mesma, que é pressionada a se casar pelas convenções sociais. O grande problema é o seguinte: o motorista tem uma filha e, se houver o casamento, ela não poderá viver com o filho de Leila, Amir, sob o mesmo teto, por alguns anos, o que vai implicar que Leila precisará colocar o filho em algum lugar por um tempo (até a filha de Kazem se casar). Inicialmente, Leila fica relutante em fazer isso, mas as pressões que essa sociedade altamente patriarcal e machista vão impor à viúva a forçam a aceitar o casamento (Leila será demitida da fábrica). E aí sobrará para o pobre do Amir que vai ser colocado numa escola para surdos-mudos com a documentação irregular e vai ter que fingir ser um deles, num ambiente de educação muito rígida.
A diretora Mahnaz Mohammadi consegue ser muito contundente ao mostrar como a tradição (vista como a grande vilã do filme) consegue destruir a vida das pessoas. Se num primeiro momento Leila sofre demais com os preconceitos e as convenções da tradição no seu ambiente de trabalho, num segundo momento a película se volta para a realidade cruel de Amir, que tinha uma vida normal, atarefado com seus afazeres escolares e em cuidar da irmãzinha pequena para a mãe que passava todo o dia na fábrica. Só que as obrigações da tradição impõem o menino a viver escondido e sob um rígido regime numa escola de surdos-mudos. O menino chega a fugir da escola e vagar pelas ruas sem eira nem beira, como um menor abandonado, sendo ameaçado até por um pedófilo numa das caronas que pegou. Tudo isso para não passar pela “situação imoral” de conviver com a filha de seu enteado debaixo do mesmo teto enquanto ela não casa. É doloroso para Amir e para nós quando, num encontro com Kazem, ele vê a imagem da nova família com a mãe sorridente e sua irmãzinha juntamente com Kazem no celular do motorista, para novamente se desvencilhar e fugir pelo mundo. Sem destino, resta a Amir retornar para a escola de surdos-mudos e, como a mãe não retornou para regularizar a situação dos documentos do filho (até porque ela não tinha acesso a esses documentos), restou a Amir ficar confinado num orfanato, sendo o desfecho do filme com o menino tendo uma visão da mãe chegando para tirá-lo de lá, que se desvanece na realidade do orfanato, que se parece com uma prisão. Mais contundente e agressivo com o espectador impossível, fazendo com que este sinta toda a dor de Amir.
Assim, “Son Mother” é um importante filme de denúncia de uma situação em que as convenções morais de uma religião aprisionam as pessoas de uma forma implacável e covarde. Um filme para muito se pensar onde Mohammadi não tem papas na língua ao gritar contra as injustiças de seu país.