Um filmaço da Hungria, que representa seu país na corrida ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, e está entre os finalistas. “Aqueles Que Ficaram” traz mais uma vez a inesgotável temática da Segunda Guerra Mundial, mais especificamente das sequelas que o conflito pode deixar nas pessoas de um país. O detalhe é que isso é mostrado para nós com uma delicadeza que beira o idílico, mesmo se o terreno não fosse o mais propício para isso. Para podermos entender melhor o filme, vamos lançar mão de spoilers aqui.
A história fala do ginecologista Körner Aladár (interpretado por Károly Hadjuk), que fez o parto de uma menina, Klára (interpretada por Abigél Szõke). Mas a guerra veio, matando os pais de Klára e a família de Körner. Anos depois, Klara vai com sua tutora (que também perdeu o marido na guerra) para o consultório, pois a menina não consegue menstruar. Klára é a típica adolescente chata e menina problema na escola, muito em virtude do trauma de guerra. Mas a menina se afeiçoa a Körner e passa a viver com ele, numa relação um tanto pai e filha. O problema é que, com o fim da guerra, o regime socialista implantado, representado aqui pela direção da escola de Klára, não vê com bom os olhos a relação do médico com a menina, suspeitando de pedofilia. Assim, vemos o dia a dia desse aparentemente estranho casal que precisa superar os preconceitos para poder viver junto.
O filme, num primeiro momento, incomoda em virtude dos estereótipos que povoam nossas cabeças. Mas, com o transcorrer da exibição, fica claro que não há maldade naquele relacionamento, mas sim pessoas que tiveram suas vidas destroçadas pela guerra buscando uma reconstrução, apoiando-se umas nas outras lançando mão do afeto. Körner perdera toda a família e precisava de uma filha postiça. Klára perdera os pais e precisava de uma figura paterna. À medida que a relação dos dois vai se estreitando, vemos a aparição de ciúmes entre os dois e uma leve insinuação sexual. Mas Körner consegue uma namorada (uma de suas pacientes, que perdeu o marido), até por sugestão de Klára, e esta consegue um namorado, o que esfria o suposto apelo sexual entre Körner e Klára, não sem algum sofrimento embutido nisso. De qualquer forma, o peso do idílico é muito maior no filme e seu desfecho mostra isso, com todos os personagens do filme se encontrando numa janta depois de três anos, escutando a morte de Stalin ao rádio, o que seria um indício de dias melhores. Vemos até um sofrimento final de Körner pela “perda” de Klára para o namorado, mas logo ele se recompõe para retomar o clima suave, delicado e idílico da película, que acaba sendo o grande personagem.
As atuações foram muito boas. Károly Hadjuk deu uma serenidade ímpar a Körner, o que contribuiu demais para o clima delicado do filme. Já Abigél Szõke foi mais explosiva, até porque interpretava uma adolescente problemática, mas igualmente frágil, que não aceitava a morte dos pais e caía em prantos à menor carência emocional que sentia, sendo muito dependente emocionalmente de Körner, o que afastava o apelo sexual da relação, embora esse apelo, volta e meia, desse sua cara, mesmo que de forma tímida. O único problema é que as cenas do apartamento de Körner eram demasiadamente escuras, o que pareceu a adoção de um clima mais soturno para representar o pós-apocalipse da guerra. Realmente incomodou um pouco, mas nada que tire a pegada delicada e idílica do filme.
Dessa forma, “Aqueles Que Ficaram” é uma película obrigatória, pois aborda o trauma da guerra, um tema muito pesado, de uma forma muito delicada e afetuosa, embora haja um leve apelo sexual em alguns momentos na relação entre Körner e Klára. Vale muito a pena pela experiência.